Já se observou que a COVID-19 alterou o quotidiano dos artistas moçambicanos. Não podendo expor os seus trabalhos como antes, ficam recolhidos em casa, “à espera” que o Estado de Emergência passe e a vida volte à normalidade. O futuro é incerto para todos os intervenientes das artes e para os que deste sector dependem. Por isso mesmo, segundo entende Quito Tembe, Director do Festival Internacional de Dança Contemporânea – KINANI, o Coronavírus, no caso de Moçambique, veio pôr a nu a fragilidade do sector da cultura. Como implicação directa dessa fragilidade, para Tembe, há toda uma cadeia de valor que fica completamente parada e cujos integrantes, actualmente, sentem-se completamente desprotegidos.

Num momento como este, em que, devido ao isolamento social, as televisões e as rádios estão a ter o pico de audiência, não é justo, para Quito Tembe, que os artistas, que as fornecem conteúdos, estejam em casa arrumado, a debaterem-se sobre como sobreviver. “Pergunto-me, por exemplo, onde está a nossa sociedade de autores, a SOMAS, que devia estar, neste momento, no seu pico em termos de distribuição de renda. Não se explica e não se justifica que tenhamos artistas que estiveram todos estes anos a produzir conteúdos, a estarem em grandes palcos e hoje a olharem para o Ministério da Cultura e Turismo como salvação. E digo, não sei se a salvação vem do Ministério da Cultura”.

Diante da desorganização que abala o sector artístico, o Director do KINANI julga que os moçambicanos devem fazer do caos causado pela COVID-19 uma oportunidade para alterar as coisas, com clareza e eficácia.

Ora, a fim de ajudar os artistas a todos os níveis, o Ministério da Cultura e Turismo lançou, recentemente, uma campanha de mapeamento das indústrias criativas e culturais ao longo de todo o território nacional. Para Quito Tembe, a iniciativa é boa, mas, considerando-se que o Estado de Emergência também afecta a área cultural, se se pôr uma máquina ministerial a fazer o mapeamento, o Estado de Emergência irá terminar  com muito trabalho ainda por fazer. “Não quero com isto dizer que o mapeamento não é uma ferramenta necessária para o sector, é uma das ferramentas muito importantes. No entanto, não sei se é o momento indicado para se avançar com este levantamento, até porque já se fizeram várias pesquisas do género que ficaram em banho-Maria”.

Tembe receia que, ao invés de se buscar soluções pragmáticas para o sector, perca-se tempo a discutir a questão de base de dados. “Devíamos ir para além de mapeamento e tomar decisões para que se resolva o problema que afecta o sector. Não podemos pôr toda uma cadeia de valor completamente adormecida.” E para que não fique adormecida, num debate televisivo moderado por Boaventura Mucipo, na Stv Notícias, quarta-feira à noite, o promotor do KINANI chamou atenção para não se cometer o erro de, ao falar-se de indústria criativa, focar-se no artista: “é preciso olharmos para todos os intervenientes porque no rácio de 100, por exemplo, o artista representa apenas 10% do que implica um festival”. E Quito Tembe constatou: “Este é o ano do Festival Nacional da Cultura. Considerando que já não vai acontecer, por que não realocar a verba de uma forma aberta, e apoiar aqueles que estão a ficar lesados neste período, ao invés de trancar o cofre?”.

Presente no debate, Roberto Isaías discordou que o apoio ministerial seja dado aos que viram seus eventos cancelados. Para o músico dos Kapa Dech, a haver apoio, deve ser abrangente para todos. E justificou: “A situação da COVID-19 é devastadora e angustiante. A cultura, hoje, também é negócio, que envolve o artista, o produtor, o iluminotécnico, os motoristas, o pessoal do catering, os fornecedores de bens e serviços e o sector informal, que se aproveita dos eventos. Assim, há uma perda de renda de sobrevivência dessas pessoas todas”.

Roberto Isaías espera que o Estado de Emergência não seja prolongado porque o cenário nas artes pode ser ainda mais devastador.

Fonte:O País

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