Nunca Moçambique viveu um início de década tão desmobilizador. A classe política que hoje nos governa perdeu-se em seu desnorte. Noutros tempos, o início de uma década era uma nova madrugada de esperança. Os mais velhos lembram-se da década de 80, proclamada como de luta contra o sub-desenvolvimento. Não era um “slogan” no vazio. A política deu a essa luta conteúdo próprio, uma visão de médio prazo.
Recordamos o Plano Estatal Central (PEC), uma visão para intervenção do Estado na economia e sociedade, e o Plano Perspectivo Indicativo (suas metas e indicadores). É certo que tudo falhou! Mas a sociedade estava mobilizada, e fez a sua parte. As razões para o falhanço são outra conversa.
Quando chegamos a 90, a iminência do fim da guerra e a perspectiva da democratização deram-nos novo alento. Fomos mobilizados pela paz e pelas novas liberdades. A democracia fermentava, com seus defeitos de nascença. A possibilidade da participação política arregaçou-nos as mangas.
A transição foi, em si, mobilizadora. Nossos empresários, a maioria na informalidade, abraçaram o mercado. E os políticos aprenderam novas formas de pensar a Nação, estrategicamente, a longo prazo, envolvendo a sociedade civil mais afoita às convivências com o regime. Ainda no consulado de Joaquim Chissano desenhou-se uma visão chamada Agenda 20/25, com “imputs” de muitas franjas da sociedade. A predisposição para pensar o país a longo prazo, e dar-lhe uma perspectiva visionária, era palpável.
É também certo que essa Agenda foi relegada para a gaveta. Ninguém lhe deu seguimento. Os planos quinquenais de governação fizeram-lhe vista grossa. Todo o trabalho de consulta foi atirado ao lixo. Mas o exercício de pensar conjuntamente o país foi exemplar.
Depois veio Guebuza. Com sua visão de enriquecimento privado, e não do Estado. Em 2004, antes de sua subida ao poder, prevíramos o que seria seu consulado: uma empreitada de transformação dos negócios do Estado em negócios pessoais. Ele ainda teatralizou um pouco, com a transferência de dinheiros para os distritos e suas ladainhas sobre auto-estima mais a urgência de não termos medo de enriquecer. Essa foi sua visão central, bem assumida por todos aqueles que conceberam a arca diluviana das “dívidas ocultas”.
Agora com Filipe Nyusi, parece que nem visão existe. Nyusi tem, no entanto, uma grande oportunidade. Em véspera de início do seu segundo ciclo, que coincide justamente com o início de uma década, seus conselheiros podiam recuperar para ele o conceito de uma “visão de longo prazo”, que vá para lá do esfregar das mãos com a iminência das receitas do gás.
Nyusi pode transformar o vazio habitual dos seus discursos numa proposta programática com horizonte mais alargado, mobilizando toda a sociedade para novos desafios. Mas, para isso, ele tem de ser contemplativo. Seus primeiros meses de Governação podiam ser usados para consultas com a sociedade sobre que país queremos nos próximos 15 anos. Dois meses sentado na Ponta Vermelha, traçando com a sociedade uma nova agenda visionária para todos. Moçambique precisa de uma nova madrugada, com sua sociedade mobilizada para o bem comum. Assim como estamos, somos como uma nação sem norte, sentada à espera do milagre incerto do gás. (Marcelo Mosse)
Fonte: Carta de Moçambique