Em mais um Destaque Rural, publicado esta segunda-feira, o Observatório do Meio Rural (OMR), uma organização da sociedade civil que se dedica à pesquisa sobre assuntos agrícolas e desenvolvimento rural, defende a criação de um instrumento legal que fornece direitos às comunidades para detenção e confisco de produtos ilegais, para além de compensações pelos bens confiscados.
Baseando-se nas realidades de outros países africanos, o estudo sobre a cobertura florestal na província de Gaza cita comunidades da Gâmbia que ficam com 100% da receita da venda de produtos confiscados e da Zâmbia, onde há uma proposta de que estas possam ficar com 50% do valor do produto confiscado.
O estudo do OMR avança que a introdução de um prazo de 30 dias para aprovação, pelo Gabinete Distrital de Florestas, quando se emite licenças, pode também ser aplicado neste caso, sendo que, passados 30 dias sem resposta, as comunidades podem transportar, sem licença, a madeira para o mercado. “Isso reduz a possibilidade de corrupção, torna o uso legal mais atractivo e motiva as comunidades a ajudarem a impedir a ilegalidade”, considera a fonte.
“Para o eficiente funcionamento destas medidas, é necessário, em primeiro lugar, criar-se incentivos financeiros para as comunidades (para além das ocasiões de capacitação e participação na gestão), de forma que a renda proveniente da protecção e gestão com base na comunidade exceda o custo de protecção e gestão”, destaca o OMR.
“Em segundo lugar, é necessário facilitar o uso legal da floresta pelas comunidades, de forma a reduzir a utilização de produtos florestais como fonte fundamental de rendimento das famílias, sobretudo, em situação de crise. Este patamar pode ser atingido ao reduzir-se a burocracia desnecessária para exploração legal. Geralmente, a comunidade sabe muito bem como afastar exploradores ilegais, chegando mesmo a arriscar as suas vidas. Regras simples na comunidade são muito mais eficazes do que complicados planos de gestão”, refere o OMR.
No documento, o OMR afirma que a exploração ilegal e insustentável dos recursos florestais, envolvendo redes de comércio internacional, a agricultura itinerante e a crescente procura por produtos florestais (como é o caso do carvão e lenha) são as principais causas da exploração florestal, gerando uma sobre-extracção dos recursos florestais. Para além disso, vários outros ecossistemas ligados às florestas têm sido perdidos anualmente, devido a práticas lesivas ao ambiente, como a caça furtiva, as queimadas descontroladas, a agricultura itinerante, entre outras.
Em Gaza, por exemplo, o OMR revela que a cobertura florestal reduz continuamente ao longo do tempo. Durante o período em estudo, refere o documento, observa-se uma perda de cerca de 55.000 hectares. “A nível distrital, observam-se reduções mais acentuadas nas coberturas florestais de Chibuto (9.000 hectares), Guijá (11.000 hectares) e Massangena (19.000 hectares)”, detalha, sublinhando que a província regista, actualmente, uma grande pressão sobre os recursos florestais, devido à procura crescente de carvão vegetal nas cidades de Maputo e Matola.
“A agricultura evolui de forma inversa à cobertura florestal, ganhando uma área de cerca de 60.000 hectares entre 2001 e 2016. Os distritos com aumento mais acentuado nas áreas agrícolas foram Massangena (18.000 hectares), Guijá (11.000 hectares) e Chicualacuala (10.000 hectares). Houve também distritos em que as áreas agrícolas não observaram grandes aumentos (distritos de Bilene, Chókwè, Mabalane e Massingir e cidade de Xai-Xai). Porém, em simultâneo ocorre o aumento demográfico. A razão por trás deste fenómeno pode ser o surgimento de outras fontes de rendimento, o que resulta numa menor pressão na agricultura”, assegura o estudo.
Para o OMR, a procura de produtos florestais tende a aumentar com o crescimento demográfico, uma vez que aumenta também a procura pelos mesmos. Os gráficos mostram que, a nível provincial, a evolução da cobertura florestal e da população são inversas, uma vez que a população cresce continuamente, enquanto a área florestal apresenta declínio. Todavia, a nível distrital, observam-se casos em que as reduções na área florestal não acompanham o rápido crescimento populacional (Mandlakaze, Massingir e Bilene). Isto pode ser resultado da variação de fontes de rendimento (conforme explicado anteriormente).
Entretanto, o desmatamento nesta província é comparativamente menor ao das outras províncias no país. Uma razão para esta ocorrência é o facto de Gaza possuir menor área de floresta quando comparada com as outras zonas a norte do país.
Para além disso, o maior rigor no licenciamento de combustíveis lenhosos e os esforços para o uso do gás em Maputo (principal mercado de produtos florestais no Sul), podem ter contribuído positivamente para a redução dos níveis de desmatamento nesta província. Outra razão que pode estar por trás do menor desmatamento observado nesta província é o facto de ter havido grande desmatamento nos anos anteriores ao período em análise (principalmente para a obtenção de carvão).
Ao longo dos anos, a precipitação total oscilou bastante, havendo anos de pouca chuva (média 8,2mm) e outros de muita chuva (119,7mm em 2013). Sendo a agricultura a principal fonte de renda da maioria da população, uma redução nas chuvas pode levar ao maior desmatamento (uma vez que as florestas se tornam uma fonte alternativa de rendimento). Porém, no caso específico de Gaza, não se observa esta relação entre os gráficos de área cultivada, cobertura florestal e precipitação média, pelo que não se pode chegar a tal conclusão.
As acções de reflorestamento na província de Gaza têm ocorrido em proporções bastante baixas, inferiores às das restantes províncias. Tanto em Gaza, como no país, as áreas florestais têm decaído significativamente. Observa-se também que as áreas reflorestadas são muito inferiores às áreas desmatadas.
Verifica-se em Gaza uma relação inversa entre crescimento da população, as áreas cultivadas com as áreas desflorestadas (com excepção dos distritos de Bilene, Chókwè, Mabalane, Massingir e Cidade de Xai-xai, na relação população-área agrícola; e distritos de Mandlakaze, Chókwè e Massingir, na relação população-florestas). Não há relação directa entre a pluviometria, com a produção agrícola (principal fonte de rendimento das famílias no meio rural) e o desflorestamento.
Uma das possíveis razões do menor desmatamento observado na província de Gaza, quando comparado às outras províncias do país, para além da menor cobertura florestal, pode ser a aposta no licenciamento de combustíveis lenhosos aliados aos esforços para a utilização do gás natural na cidade de Maputo. Igualmente deve-se considerar o desmatamento massivo existente antes do período considerado no estudo, razão pela qual Maputo é abastecido, em grande percentagem, por carvão da zona Centro do país.
Quando comparada a área reflorestada com a área florestal de Gaza, nota-se que as acções de reflorestamento são insignificantes e acentuadamente decrescentes. Durante o período estudado, a maior percentagem do reflorestamento na província de Gaza (comparativamente à área reflorestada em todo o país) foi de apenas 1,78%. (Carta)
Fonte: Carta de Moçambique