Defesa Nacional distancia-se do assassinato de mulher em Cabo Delgado

O vídeo no qual supostos membros das Forças de Defesa e Segurança (FDS) torturam e assassinam uma mulher, aparentemente em Cabo Delgado, está a espalhar-se pelas redes sociais e causa indignação. O Ministério da Defesa Nacional distancia-se do assunto e diz que deve haver investigação.

O vídeo em causa – de aproximadamente dois minutos – mostra um grupo homens armados com vestes aparentemente das FDS, que, primeiro, agridem fisicamente uma mulher nua com recurso a um bastão.

Nas imagens, os homens – que se comunicam em língua portuguesa – acusam a mulher de pertencer ao grupo que semeia terror em alguns distritos do norte de Cabo Delgado.

No mesmo vídeo, a vítima tenta distanciar-se dos agressores, numa tentativa de se proteger, mas é perseguida e espancada de tal sorte que, devido aos maus-tratos a que é sujeita, defeca involuntariamente.

Um dos membros do grupo de agressores abre fogo contra a mulher. A vítima cai inanimada, mas mesmo assim, mais três homens aparecem, no mesmo vídeo, a dispararem contra ela. Tudo acontece numa estrada alcatroada, na qual é possível ver, com clareza, os rostos de alguns dos membros do referido grupo, que se supõe que seja das FDS.

Em reacção a esse vídeo, o Ministério da Defesa Nacional emitiu um comunicado datado de 14 de Setembro corrente, no qual avança que: “circula, desde a madrugada de 14 de Setembro de 2020, na comunicação social, um vídeo que projecta um grupo de indivíduos trajando uniforme militar, a executar a tiros uma senhora que se encontrava completamente nua, depois de ter sido violentamente espancada”, introduz o documento para depois apresentar o posicionamento do exército.

“As Forças de Defesa e Segurança consideram as imagens chocantes, abusivas, repugnantes, horripilantes e, acima de tudo, condenáveis em todas as suas dimensões”.

No documento, o ministério também distancia-se daqueles actos prometendo uma investigação.

“As FDS reiteram que não pactuam com qualquer acto bárbaro que consubstancie a violação dos direitos humanos. Factos desta natureza deverão sempre ser denunciados por todas forças vivas da sociedade, devendo ser investigados para apurar a sua autenticidade e veracidade, com vista a devida responsabilização”, detalha sem avançar prazos para a investigação.

No final do comunicado, a instituição compromete-se a defender as populações e a integridade territorial de toda e qualquer agressão. O exército pediu ainda vigilância das comunidades para que situações semelhantes sejam denunciadas.

“As FDS apelam para maior vigilância e exortam a população e a sociedade no geral a continuar engajada na defesa da causa nacional, apoiando e colaborando na denúncia de qualquer manifestação que atente a nossa soberania. As FDS reiteram a sua determinação na defesa da integridade territorial, da soberania, da unidade nacional, da liberdade do cidadão e segurança dos meios de desenvolvimento da Nação”, termina o documento.

Recentemente, a Amnistia Internacional acusou as Forças de Defesa e Segurança moçambicanas de violação dos direitos humanos em Cabo Delgado, o que foi prontamente rejeitado pelo Ministério da Defesa Nacional.

 

Ordem dos Advogados diz ainda ser cedo para atirar culpas

Repudiável e uma barbárie é como a Ordem dos Advogados de Moçambique caracteriza o vídeo que está a causar onda de indignação. “Nós repudiamos esses actos, independentemente de quem tenham sido os sujeitos. É um acto reprovável, condenável porque é mera barbárie”, disse Duarte Casimiro, presidente da ordem na sua introdução.

Casimiro defendeu porém uma investigação ao vídeo e sobre o recente pronunciamento da Amnistia Internacional sobre alegadas violações dos direitos humanos em Cabo Delgado. “Exigimos que quem de direito, com poder para esse efeito, que faça a investigação que for necessária para apurar efectivamente o que aconteceu. Isso irá contribuir, de certo modo, para a defesa da boa imagem que nós nutrimos pelas Forças de Defesa e Segurança. A indecisão que se tem se são ou não membros das FDS cria um ambiente mau na imagem das nossas forças. É por isso importante esclarecer quem são aquelas pessoas, quais foram as razões daquele assassinato”, defendeu o bastonário.

Para a instituição é ainda cedo para tirar conclusões sobre o que o vídeo apresenta e elogia o comunicado emitido pelo Ministério da Defesa. “Não temos elementos para acusar as Forças de Defesa e Segurança, pois não temos indícios que bastem para o fazer. Foi pertinente a comunicação do Ministério da Defesa, pois se distancia e condena o acto defendendo uma investigação ao sucedido”.

Comissão dos Direitos Humanos considera haver elementos para investigação 

Porque nas imagens é possível ver as vestes e o rosto de alguns indivíduos que assassinam a mulher, o presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos, Luís Bitone, considera que há elementos para se iniciar com a investigação. “A investigação pode começar pegando nos elementos que o vídeo apresenta, desde a questão do fardamento, o contexto em que a situação acontece, os rostos etc. e a partir daí, pode-se deslocar ao local, inquirir testemunhas. Tudo vale para se chegar à verdade dos factos”, defendeu Bitone.

Noutro desenvolvimento, mostrou preocupação com os modus operandi do grupo. “É chocante, desumano e degradante sob ponto de vista dos direitos humanos o que vimos naquele vídeo. Mas tudo ainda continua em aberto porque não temos certeza o que está a acontecer. Por isso reiteramos a importância de uma investigação para que possamos ter a clareza do que está a acontecer em Cabo Delgado”, repisou.

O presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos defendeu também que não se pode tirar conclusões precipitadas sem que seja feita uma investigação clara sobre o assunto. “Achamos muito oportuna a posição do Ministério da Defesa porque condena de forma enérgica os actos e reafirma o seu papel de defender as populações. Isso mostra uma abertura muito grande para que não haja dúvidas de que há um distanciamento das FDS em relação a esse tipo de actos. Este documento tem uma base jurídica para que a Procuradoria-Geral da República, os Serviços de Investigação e outras entidades possam entrar no local e averiguar estas situações, mas há uma condicionante. É que esses locais são de difícil acesso sob ponto de vista de segurança”.

 

 

 

 

Fonte:O País

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