“O Montalegre é o melhor clube do mundo!”, exclama o pequeno Matias Francisco, de 10 anos. “Porquê? Porque é a nossa vila!” É assim que responde Matias Francisco, enquanto joga à bola com o amigo José Pedro, em frente ao tribunal na praça central da vila barrosã. Para eles não há melhor do que o Montalegre. Está-lhes no sangue. Nasceram assim, a gostar da terra mais do que tudo. Podem até “ser” do Benfica ou do Sporting mas, na hora da verdade, o Montalegre é o Montalegre e ponto final.

Os pequenos têm já enraizada uma maneira de ser que não é fácil de explicar em palavras. É mais uma questão de sentir, de saber que se pertence a algo diferente, que se é diferente e que não se quer mudar. É respeitar uma humildade grandiosa que vem com o ar do Larouco e do Gerês, é ir aprendendo a olhar a leveza agreste do Cávado, deitado ao lado das lutas espontâneas dos bois barrosões.

Aqui, no cimo de Portugal, encontram-se outras vidas que vivem um mundo mais verdadeiro. Um mundo sério feito de alegrias diárias e tristezas que rompem miocárdios. Que se revê nas fragas de Pitões e contempla a liberdade de uma fronteira que os une a um mundo, do outro lado da estrada.

E é aqui que se renova, de geração em geração, uma mística transcendente de figuras míticas e poderosas que nascem nas encruzilhadas da vida e amedrontam o sopro, que se vê sair das entranhas num inverno enregelado e de olhos esbugalhados em gritos de sangue.

As bruxas do Barroso sempre andaram por aqui, mais ou menos moribundas. Faziam desfiar os contos dos serões contados, mas foram perdendo poder com os tempos modernos de medos mais pequenos. Até um dia em que foram ressuscitadas na alma e no espírito dos do barroso, por um padre.

O ato deu vida a uma contradição poética que pôs, tal qual um Gandalf de outros mitos, o padre Fontes de Vilar de Perdizes, à frente duma irmandade coletiva que com esconjuro atrás de esconjuro foi conquistando intrusos para as entranhas dum castelo assombrado a cada sexta-feira 13.

A “queimada” que invoca o além e esconjura os males da vida aparece agora como poção mágica que assenta numa “provocação aos campeões e numa proteção aos mais fracos da terra”. São palavras do mago que cruza os versos na invocação das forças da natureza e entrelaça umas risadas sãs no âmago de cada ser.

Os barrosões seguem-no e admiram-no e pedem-lhe proteção. E ele dá-lha!

Este sentimento do povo já se sente desde que o mundo é mundo e dele não se desdenha. Assume-se como parte da vida, diferente e maior. Que orgulha e se materializa nas ações comuns. É assim que sentem, talvez sem saber bem, o Matias e o Zé Pedro. Os dois sabem, sem saber bem, como todos os outros de Montalegre que o “esconjuro” do padre Fontes só não dará curso ao destino dos eleitos se essa não for a vontade das forças do próprio destino.

O jogo desta quarta-feira, entre o Benfica e o Montalegre, já faz parte dessa equação mística que está cravada no sobrenatural dos barrosões e da invocação das almas, boas ou más. Um dia que também já estaria destinado pela grandiosidade do universo, tão precioso quanto único – que aqui só respiram e sentem os que aqui bebem a água e tudo o resto da pureza desta terra do barroso. O resto, a vida, bem ou mal, “esconjura”.

Fonte:TSF Desporto

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