Não é novidade que a Polícia da República de Moçambique (PRM) é alérgica às manifestações pacíficas no país, recorrendo sempre a agressões físicas e uso de gás lacrimogéneo para impedir o exercício de um dos mais nobres direitos constitucionais. Só neste ano, já foram reprimidas duas manifestações pacíficas pela Unidade de Intervenção Rápida (UIR), uma no dia 18 de Março (em homenagem ao rapper Azagaia) e outra na passada sexta-feira, em protesto aos resultados eleitorais, que dão vitória à Frelimo em todas as autarquias do país, excepto a da Beira, que continua nas mãos da oposição.
A pedido da bancada parlamentar da Renamo, o Ministro do Interior esteve ontem na Assembleia da República para explicar as razões que levam o Governo a optar sempre pelo uso abusivo e desproporcional da força policial para reprimir manifestantes indefesos.
Aos deputados da bancada parlamentar da Frelimo (os únicos que estiveram no Parlamento), Pascoal Ronda defendeu que não houve uso excessivo e desproporcional da força durante as VI Eleições Autárquicas e que a Polícia “apenas garantiu a ordem e segurança públicas, protegendo todas as organizações políticas, criando condições de segurança e tranquilidade para que cidadãos exercessem e exerçam as suas funções sem nenhuma perturbação”.
Ronda afirma que a Polícia da República de Moçambique sempre pautou pelo rigor, respeito pela legalidade, isenção, imparcialidade, objectividade e apartidarismo, tomando sempre em atenção o interesse público. “Portanto, a sua acção não depende de qualquer filiação partidária”, defende Pascoal Ronda, assegurando que o Estado é o único que usa, de forma exclusiva, a força policial.
No seu primeiro discurso na Assembleia da República após a nomeação, o Ministro do Interior revelou que o país registou, desde o dia 11 de Outubro, 130 manifestações, das quais 25 foram de carácter violento, nas províncias de Nampula (nove), Zambézia (seis), Maputo Cidade (seis), Cabo Delgado (uma), Niassa (uma), Tete (uma) e Sofala (uma).
Em resultado destas manifestações, detalha a fonte, foram lavrados 33 processos-crimes, com 237 indiciados detidos, sendo 149 na província de Nampula, 33 na Zambézia, 23 na capital do país, 16 no Niassa, 11 em Sofala e cinco na província de Tete. “Todas as detenções ocorridas no âmbito das manifestações resultam da violação da Lei e não a sua pertença a qualquer filiação partidária”, defende.
O Ministro do Interior disse ainda que uma pessoa perdeu a vida na província de Cabo Delgado e 29 ficaram feridas, sendo 25 na província de Nampula e quatro na Zambézia. No entanto, não disse que a morte registada foi causada por balas da Polícia, disparadas de forma indiscriminada contra um adolescente no distrito de Chiúre.
“De igual modo, tivemos o registo de quatro membros da Polícia da República de Moçambique feridos, nas províncias da Zambézia e Nampula, dos quais um com membro superior amputado”, acrescentou, denunciando ainda a vandalização de bens públicos e privados no distrito de Alto-Molócuè, província da Zambézia, onde foram destruídas 139 bancas e uma resistência.
Ronda reportou ainda a destruição de 21 viaturas, sendo 12 de cidadãos particulares, no distrito de Nacala-Porto; uma da Televisão de Moçambique, na cidade de Nampula; uma do Secretariado Técnico da Administração Eleitoral, em Quelimane; três do Ministério da Saúde, na Cidade de Maputo; e quatro da PRM, nas cidades de Cuamba, Angoche, Nacala-Porto e Nampula.
O Ministro do Interior disse igualmente que, nas manifestações de sexta-feira, a Polícia registou um fenómeno novo: o uso de engenhos explosivos de fabrico caseiro por parte dos cidadãos. “Assim, foram apreendidos, de mãos alheias, 59 engenhos, sendo 55, na Cidade de Maputo, e quatro, na cidade de Nampula. Isto não é civilização. Ainda na província da Zambézia foram detonados dois engenhos explosivos sobre a viatura do Director do STAE de Quelimane”, narrou.
“A PRM não reprime manifestações correctas, apenas protege as manifestações pacíficas. (…) Se com a presença da PRM no terreno, registamos os incidentes e danos acima arrolados, imagine-se como seria se ela tivesse pautado por inacção, como sugerem alguns indivíduos”, defende o antigo Comandante-Geral da Polícia.
Refira-se, entretanto, que os indivíduos detidos na cidade de Maputo foram todos absolvidos, na terça-feira, pelo Tribunal Judicial de Kapfumo por não terem cometido quaisquer crimes. A PRM, sublinhe-se, juntou quase uma dezena de pneus para provar, junto ao Tribunal, que os indivíduos tinham cometido crimes de associação para obstruir a via pública, portes de bombas caseiras, vandalização e destruição de bens públicos e privados. (A. Maolela)
Fonte: Carta de Moçambique