Apesar de serem a maior parte da população, quando se trata do setor, elas representam apenas 30% da força de trabalho. Mulheres negras têm menos oportunidades. Reprograma fornece aulas gratuitas de programação para mulheres.
Reprograma / Divulgação
“Eu sempre era a única. [Em] todos os mercados da minha vida na tecnologia, sempre estávamos eu e vários homens”. O relato é da cofundadora e diretora de ensino da iniciativa Reprograma, Carla de Bona. Mas essa história não é só dela.
As mulheres são maioria no Brasil, representam cerca de 52% da população, aponta a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
No setor de tecnologia, elas são apenas 30% da força de trabalho, segundo pesquisa feita em conjunto por PretaLab e ThoughtWorks.
Em 64,9% dos casos, as mulheres formam, no máximo, 20% das equipes de trabalho do setor. Quando se considera as que são mães, este número cai a 0 em 62,1% dos times, aponta o estudo.
Mas por que as mulheres não ingressam em grande volume nesta área? Entenda a seguir.
‘Coisa de menino’
O afastamento das mulheres da tecnologia acontece já na infância, quando os meninos recebem videogame e computadores, enquanto as meninas ganham outros tipos de brinquedos, como uma boneca, afirma a cofundadora da Reprograma.
A instituição é uma iniciativa de impacto social, que quer reduzir a lacuna de tecnologia de gênero e raça através de formação e empregabilidade.
“A coisa vai escalando e, quando chega na hora de escolher uma faculdade, falo ‘isso não é para mim, é coisa de menino’”, explica Carla.
Carla de Bona é diretora de ensino na Reprograma, que foca na formação e na inserção de mulheres no mercado de trabalho
Reprograma / Divulgação
Além dessa questão, falta visibilidade para nomes femininos na tecnologia, para inspirar as meninas a considerarem a carreira. “Quando a gente fala em tecnologia, a gente sempre vai pensar no Steve Jobs, no Bill Gates, no Mark Zuckerberg”, exemplifica Carla.
Sem esses incentivos, a percepção dela é de que as mulheres só decidem pelo setor quando têm uma ponte: “Aí, normalmente é um primo, um tio, um pai… Alguém que estava ali muito próximo e incentivou”.
A escolha da profissão é apenas o primeiro obstáculo. Ao ingressar na faculdade, o pensamento de que o curso “não é para mulheres” pode ser reforçado quando a mulher se percebe como a única em uma sala com cerca de 40 alunos, diz Carla.
Isso aconteceu com ela quando decidiu estudar tecnologia e se repetiu quando começou a dar aulas. A professora conta que se lembra muito bem quando viu sua turma, que possuía apenas 3 mulheres.
“Nossa, fazem 10 anos, minha vida correu e nada mudou. Continua sendo uma área de homens”, a cofundadora da Reprograma narra que pensou isso quando entrou na sala de aula.
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Onde estão as mulheres negras?
Apesar de 54% da população brasileira ser de pessoas negras/pretas e pardas, segundo a pesquisa Pnad do IBGE, somente 36,9% dos entrevistados do estudo da PretaLab e ThoughtWorks se declaram neste grupo.
O setor de tecnologia tem um perfil, afirma Renata Madaleno, designer gráfico e social mídia da InfoPreta, empresa de suporte técnico e ativa em projetos sociais que têm por objetivo inserir pessoas negras, LGBTQIAP+ e mulheres no mercado de tecnologia.
“A gente sabe que essa área é branca, principalmente, masculina, cis e héteronormativa. Então é muito difícil uma mulher aspirar estar em uma posição quando ela não vê pessoas como ela”, afirma Renata.
Além disso, as oportunidades estariam concentradas em alguns polos econômicos, como São Paulo e Rio de Janeiro, afunilando ainda mais o setor, explica.
“Quando você faz o recorte da mulher negra, que já não tem o incentivo para seguir na educação, para buscar uma profissão que vai dar um retorno financeiro alto para ela, quando ela lida com coisas muito cedo dentro de casa. Isso afasta a mulher negra ainda mais desse mercado, desse lugar de educação, de conhecimento”, diz a designer gráfico.
Ela conta ainda que a mulher negra também vai ter mais dificuldades para obter a vaga nas empresas, a não ser quando existem as políticas afirmativas e programas de porta de entrada, como trainee e estágios.
“A gente não precisa só de trainee. A gente também quer mulheres desenvolvedoras, pessoas negras na liderança”, completa Renata.
Renata Madaleno é designer gráfico e atua como social media na InfoPreta
Arquivo pessoal
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Entrou na empresa, e aí?
Após conseguirem um emprego no setor, muitas vezes, as mulheres ficam estacionadas em projetos mais simples, têm seu trabalho revisado a todo momento, enfrentam a falta confiança das chefias e não são promovidas a cargos de liderança, dizem as entrevistadas.
“A pessoa está ali para preencher, mas você não divide as tarefas com ela de igual para igual, sabe?”, explica Renata.
Viviane Cardeal é um exemplo de como isso é ainda mais complicado para as mulheres negras.
Em 2008, ela trabalhava em uma empresa que abriu uma oportunidade para que ela atuasse com atendimento aos clientes, diretamente em seus escritórios.
Após se destacar no treinamento do produto em questão, ela foi promovida para trabalhar diretamente com a diretoria e pessoas jurídicas da empresa contratante.
Meses depois, entrou uma nova pessoa na diretoria do cliente, que solicitou a troca do recurso contratado, desligando Viviane do projeto.
“Uns dias depois, a minha gestora me informou que eu fui desligada por questões raciais, a gerente do projeto era racista e, por esse motivo, ela pediu o meu desligamento. Eu era a única preta da área e, após isso, eu nunca mais tive contato com o cliente”, relata.
Viviane conta que, apesar de chateada, não achou que tinha muito o que fazer a respeito e acabou se “conformando com a situação”. Atualmente, ela é diretora de tecnologia da InfoPreta.
“Quando você é mulher, uma pessoa negra, uma minoria nesse mercado, as pessoas duvidam muito da sua capacidade, da sua experiência. Tudo é testado e isso também a gente tem que mudar”, diz Renata.
Viviane Cardeal é diretora de tecnologia da InfoPreta
Arquivo Pessoal
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Código sem diversidade
Não ter mulheres, pessoas negras, deficientes, LGBTQI+ atuando na formulação dos produtos de tecnologia faz com que eles se tornem menos complexos.
“A gente tem que trazer diversidade para a tecnologia, para que a gente consiga entender os problemas que estão cada vez mais complexos, abarcando todas as pessoas que vão usar aquele programa”, explica Carla, da Reprograma.
“Então, falta mão de obra e diversidade para pensar a complexidade dos problemas que a gente está entregando em soluções de tecnologias”, completa.
O Twitter, por exemplo, já recebeu reclamações de que seu algoritmo de recorte de imagens privilegiava pessoas brancas.
Em setembro de 2020, perfis publicaram imagens com uma pessoa negra em uma ponta e uma pessoa branca na outra, invertendo a ordem em uma foto seguinte. Antes de abrir a imagem completa, o algoritmo do Twitter mostrava a pessoa branca com mais frequência.
“O mercado, as pesquisas, os resultados são prejudicados. Quando você tem só pessoas que têm uma mesma cultura social ou uma mesma vivência, uma educação, você só tem essas pessoas à frente da tecnologia, você vai tendo o mesmo resultado. Quando você muda, tudo isso evolui”, diz Renata.
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Globo Tecnologia

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