A música reza, mais ou menos, assim: “Conhecido em todo o lado pelo ódio ao Benfica”, é um “um eterno descontrolado”. Quando “muitos correm, ele fica”.

Ele é Mustafá, o líder da Juventude Leonina que foi detido este fim de semana, juntamente com Bruno de Carvalho, para interrogatório judicial, no âmbito do ataque à Academia de Alcochete.

A música – feita em sua homenagem – chama-se “É o meu Sporting” e é interpretada pelo rapper Malabá the Gun. Será, provavelmente, a melhor e mais completa nota biográfica pública de Nuno Vieira Mendes, ou Mustafá, como orgulhosamente ficou conhecido no meio do futebol.

Ler a letra desta música permite ficar a conhecer melhor o homem que agora está indiciado pelos crimes de terrorismo, ofensa à integridade física qualificada, sequestro, ameaça agravada, posse de arma proibida e incêndio no caso do ataque a Alcochete. Uma lista enorme de crimes, que se junta a outras listas, de outros crimes, que atiraram Mustafá para a cadeia no passado.

“Filho da Margem Sul”

Regressamos à música que se inspirou na vida de Mustafá, para viajarmos até ao local onde nasceu. “Filho da Margem Sul”, canta o rapper, foi na Costa da Caparica que Nuno Vieira Mendes cresceu há 40 anos, num bairro pobre, onde “não há sangue azul” e a criminalidade estava ali, mesmo à mão de semear.

A pobreza, deixou-a cair “sem piedade nem dó” e não foi difícil encontrar na vida de Mustafá a rima perfeita: afinal, ele acabou por “dar a volta por cima. Foram só férias num ió”. A abreviatura funciona como uma espécie de código, para descrever o passado na cadeia do Linhó onde cumpriu pena de prisão.

Se recuarmos até 2003, encontramos uma reportagem da RTP onde mostra Mustafá aparece, 15 anos mais novo, a sair pela porta principal da cadeia do Linhó. A primeira precária a que teve direito usou-a para ir assistir ao dérbi Sporting-Benfica, em vez de ir passar o Natal com a família. “Há quatro anos que não vou ver o Sporting a Alvalade e tinha mesmo que ir ver este último jogo no estádio antigo”, explicava na altura ao microfone da televisão pública. Estávamos a um ano do Euro 2004 e o velhinho Estádio José Alvalade tinha os dias contados, para dar lugar ao novo.

Mustafá, à época de cabelo comprido, viu o jogo e regressou para trás das grades, onde fundou o núcleo sportinguista da cadeia do Linhó e de onde só viria a sair mais tarde. Quando saiu, foi-lhe decretada uma medida de coação menos gravosa, a pulseira eletrónica, e, alguns meses depois, acabou por ser libertado. Logo nesse dia, Mustafá foi ver um jogo do Sporting, sendo recebido como um herói dentro da claque Juventude Leonina.

Para o líder da Juventude Leonina, o Sporting não é apenas uma “família”, um “amor”, uma “paixão” ou uma “vida”. É, segundo discorre a música, “um vício”. Provavelmente, o maior de todos os vícios que Mustafá acumula, e são muitos.

Da droga, à violência, o homem forte da claque mais antiga do Sporting conhece quase tudo e já passou por muitos sítios.

As ligações a Paulo Pereira Cristóvão

A passagem pela cadeia do Linhó não haveria de ser a última vez que Mustafá se via privado da liberdade. Antes de chegar à liderança da claque Juve Leo, voltou a ser detido no âmbito do caso “Cardinal”, em que o principal arguido é Paulo Pereira Cristóvão, ex-vice-presidente do Sporting.

O Ministério Público acredita que o atual líder da Juventude Leonina participou nos assaltos violentos a residências integrado num grupo de dezenas de elementos. Em causa estão vários crimes: associação criminosa, roubo, sequestro, posse de arma proibida, entre outros.

“Fanático, guerreiro combatente”

Quem o conhece – e lhe dedicou a música “Meu Sporting” – descreve-o como alguém que “acredita que o limite é o céu, que luta contra tudo e contra todos, por um ideal”. Sozinho, continua a música “ou com os seus rapazes”.

Foram esses rapazes, companheiros de viagem na Juve Leo de Mustafá que o Ministério Público acredita terem sido os grandes responsáveis pelo ataque à Academia de Alcochete, a 15 de maio deste ano. O dia que ficou na memória como um dos mais negros da história do Sporting e do futebol português. O dia em que um grupo de dezenas de adeptos do clube entraram na Academia e agrediram vários jogadores, equipa técnica e membros do staff.

A Juventude Leonina foi sempre a principal suspeita de estar por trás dos incidentes e, à época, o seu líder desde 2016 sentiu a necessidade de vir a público desmentir.

Numa conferência de imprensa inédita realizada a 19 de maio, Mustafá quis deixar claro que a claque sempre “condenou qualquer forma de violência no desporto”, prometendo ainda um “inquérito interno e sanções severas” aos elementos suspeitos de participarem no ataque.

A detenção na “casinha” de Alvalade

Neste domingo, dia de São Martinho, antes do jogo entre o Sporting e o Desportivo de Chaves, em Alvalade, a GNR enviou o Grupo de Operações Especiais à “casinha” da Juventude Leonina, onde realizou buscas e onde foi encontrada droga. Mustafá, que se preparava para mais um jogo do Sporting, foi detido e levado para a GNR do Montijo.

O líder da Juventude Leonina é o 40.º arguido do processo que investiga as agressões na Academia de Alcochete. Na mesma noite, Bruno de Carvalho, ex-presidente do clube, foi outro dos detidos para interrogatório.

O dia em que Mustafá cantou ao lado de Bruno de Carvalho

Desde os trágicos acontecimentos de Alcochete, Mustafá veio várias vezes a público defender e ilibar Bruno de Carvalho. O ex-presidente que tem, também ele, um passado ligado à Juve Leo e que terá, acredita o Ministério Público, sido um dos mandantes do ataque à Academia do Sporting. O outro, acredita a investigação, terá sido, precisamente Mustafá.

Nos últimos anos, foi presença assídua em diversos eventos promovidos quer pela claque, quer pelo clube de Alvalade. Há um ano, no jantar de Natal da Juve Leo, Bruno de Carvalho foi filmado a cantar, lado a lado, com o líder da claque, precisamente a música que foi dedicada a Mustafá.

Os dois estão agora detidos para interrogatório, que arranca esta terça-feira no Tribunal do Barreiro.

A fazer fé na letra da música que tão bem define Mustafá, o Sporting “é mais que um vício, é mais que uma paixão” e o amor que ele sente pelo “clube não tem explicação.” Estranha forma esta de amar um clube, se se confirmarem as suspeitas que recaem em Mustafá e no ex-presidente do Sporting Bruno de Carvalho.

Fonte:TSF Desporto

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