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Fugiu de Cuba e agora quer ser o melhor do mundo por Portugal no triplo salto

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No triplo salto, o momento definidor é aquele em que todo o peso do corpo se concentra na explosão final, o último salto. Mas antes, há que dar dois passos na medida certa. Planear para agir, conhecer bem o corpo, antes de esperar cair em terra firme, longe o suficiente para atingir uma marca ou vencer uma competição. É uma questão de treino, explica o treinador de Pedro Pablo Pichardo, uma questão de planeamento.

Planeamento dentro e fora do período de treinos. Um plano desportivo e de vida, que conduziu Pedro a Portugal, ao pedido de nacionalidade portuguesa e à consequente autorização para representar as cores nacionais em provas internacionais, como o Mundial de 2019 em Doha, no Qatar. Para trás fica uma história atribulada com a federação cubana de atletismo, e a perda da nacionalidade.

Treinador e pai do atleta, Jorge Pichardo acompanha o filho desde os primeiros passos no atletismo, em Santiago, na ilha de Cuba. “Desde que começou a treinar, aos 6 anos, sempre nos reunimos em família para discutir qual devia ser o seu percurso. Aos 12 anos percebi o potencial, e disse-lhe que ele deveria ser o melhor do mundo pela sua característica”. Tudo correu como planeado até ao escalão sénior. Título mundial de juniores e aos 21 anos uma marca acima dos 18 metros.

Os problemas do saltador começaram em 2012, quando deixou Santiago para se juntar à seleção nacional cubana. O pai, Jorge, trabalhava apenas com jovens atletas, não pôde por isso orientar o filho naquela nova etapa. “No início dessa temporada só conseguia saltar 16 metros e 54, estava muito longe das marcas mínimas para chegar ao Mundial de Moscovo”, revela Pedro Pichardo.

Pediu então ao pai para se mudar para Havana. Começaram “a treinar às escondidas”, conta, em recintos desportivos públicos ou na rua. Pedro Pichardo garante que foi esse trabalho que lhe abriu as portas ao Mundial e à medalha de prata que conseguiu em 2013.

Os problemas com a federação agravaram-se nos anos seguintes. Perante a recusa em treinar com os técnicos escolhidos por Cuba, Pedro Pichardo foi suspenso por um ano pela federação, entre 2015 e 2016. Regressou a Santiago, e era acompanhado por preparador físico de basebol que, por ser amigo do seu pai, deixava Jorge acompanhar o filho em muitas ocasiões.

Em 2016 uma lesão tratada agravou a relação entre Pichardo e a federação cubana. De novo em Havana e com a seleção do país, uma rutura muscular num treino complicou a vida ao atleta, que, no entanto, continuou a competir por ordem da federação. Numa reavaliação médica feita em Itália, por ordem do agente, Pedro Pichardo percebeu que não podia continuar a forçar, mas não teve alternativa.

Em véspera da estreia pela seleção cubana nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016 Pichardo recusou competir. “O filho de Fidel Castro, António Castro Soto del Valle, – responsável pelas equipas médicas desportivas -, o chefe dos médicos em Cuba, mandou então uma equipa de médicos ter comigo à vila olímpica. Fizeram-me testes, e aí tive uma conversa de mau tom com eles”. Os médicos cubanos queriam que Pedro competisse com a fratura. “Eu disse que não e por isso, nesse mesmo dia, foi levado novamente para Cuba”, conta.

Entretanto, o pai, Jorge Pichardo, havia sido impedido de continuar a treinar na ilha e mudou-se para a Suécia. Perante a insistência de Jorge, Pedro Pichardo acabou por decidir também ele abandonar o país. “Juntei toda a família, a minha mãe, tios, avó, e disse-lhes que tinha de sair de Cuba para conseguir os meus objetivos, treinar novamente com o pai e ser o melhor do mundo”.

O salto para a Europa

A oportunidade para deixar Cuba surgiu meses depois, em abril de 2017. Em estágio na cidade de Estugarda, Pedro Pablo Pichardo aproveitou um jantar para sair do centro de treinos às escondidas. “Estudei o local da concentração durante uma semana. Não podia arriscar ser apanhado, caso contrário seria expulso da seleção cubana e seria o fim da minha carreira enquanto atleta em Cuba”.

Aproveitou um jantar com o selecionador e colegas de seleção para sair mais cedo para o quarto, e saiu a pé, rumo aos dormitórios. Deixou a chave na portaria e aproveitou uma porta aberta para escapar. Fora do centro de estágios esperavam-no o pai e um amigo. Viajaram 30 horas de carro até à Suécia, o ponto de partida para a nova aventura, agora na Europa.

A experiência nórdica foi curta. “Nunca tinha visto neve na vida, mal conseguia andar, quanto mais correr”. Nessa altura havia já propostas para mudar para outras latitudes. Vários clubes e países interessados em acolher um atleta que estava entre a elite mundial. “Tinha propostas de vários países, de Itália, Espanha e Bahrein, mas optei por Portugal e pelo Benfica”, explica o atleta. A língua e o clima “mais parecido com o calor de Cuba”, ajudaram na decisão.

Novo país, novas metas

Pedro Pablo Pichardo chega a Portugal para assinar contrato com o Benfica no final do mês de abril de 2017, o mês em que havia fugido da concentração da equipa cubana. O processo de naturalização por Portugal terminou com a atribuição da nacionalidade em dezembro desse ano, abdicando da nacionalidade cubana, e sujeitando-se a ficar fora do país de origem por oito anos, como ditam os regulamentos de Cuba.

Em maio deste ano, e apenas com alguns meses em solo nacional, Pedro Pichardo bateu a anterior marca nacional de triplo salto com uma distância de 17,95 metros no meeting de Doha, superando o melhor registo nacional que pertencia a Nélson Évora.

O próximo objetivo é o campeonato do mundo de atletismo ao ar livre, a primeira prova depois de 1 de agosto, a data definida pela Associação Internacional das Federações de Atletismo (IAAF) para a autorização de participação em provas internacionais para Pedro Pablo Pichardo. Um troféu no qual pode participar apenas porque venceu a Liga Diamante na última temporada, o principal circuito de atletismo.

Dois dos rivais que encontrou na Liga Diamante são as maiores ameaças na luta pelo título mundial. Os norte-americanos Christian Taylor e Will Clayne são rivais de peso, segundo Pedro Pablo Pichardo. “Não podemos subestimar os adversários, mas eu não estou preocupado com os adversários, mas antes com as marcas às quais quero chegar”. O percurso até aos mundiais – e aos Jogos Olímpicos de Tóquio -, começa na preparação em Portugal. Fora de hipótese fica a saída do país, a opção por ir treinar para os Estados Unidos.

Mas para já, Pedro Pichardo promete ficar por Setúbal, local onde encontrou casa, instalou a família, e onde o Benfica e a Federação Portuguesa de Atletismo encontraram um complexo desportivo onde pode treinar. Em Lisboa, indica, treinava entre o Estádio Universitário, os ginásios do Estádio da Luz e o Jamor, sempre de mala às costas, e onde encontrou por várias vezes problemas, fosse pela ocupação das pistas, ou pela dificuldade no acesso burocrático aos espaços.

Sobre o apoio prestado pela federação, Pedro Pichardo garante que nos últimos meses as relações melhoraram: já conhece os dirigentes, tem sido acompanhado pela federação que até está a ajudar a equipar o ginásio onde faz treino diário, em Setúbal.

Para trás ficam os problemas com a federação cubana, mas Pedro Pablo Pichardo lamenta que ainda não tenha conseguido reencontrar a mãe, ainda em Cuba. Não pode visitar o país por imposição legal, durante oito anos, depois de ter abdicado da nacionalidade. Resta-lhe esperar por uma solução para poder voltar a encontrar o resto da família, tal como fez com o pai.

Fonte:TSF Desporto