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IESE apresenta primeiros sinais da presença do “Al Shabaab” em Cabo Delgado

Foi através de um artigo científico, de autoria do pesquisador Sérgio Chichava, publicado na passada sexta-feira, no Boletim IDEIAS, uma publicação do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), que a organização apresentou o que chamou de “primeiros sinais” da presença do grupo terrorista “Al Shabaab” na província de Cabo Delgado, antes mesmo do início dos ataques, que vêm sendo protagonizados naquela região do país, desde Outubro de 2017.

 

De acordo com o artigo, entre finais de 2015 e meados de 2017, houve registo de alguns “episódios”, ocorridos nos distritos de Macomia e Ancuabe, que mostravam a influência do “Al Shabaab” naquela província, antes mesmo do ataque a Mocímboa da Praia.

 

Um dos episódios, descreve o IESE, citando os jornais Notícias e Domingo, está relacionado à proibição de venda e consumo de bebidas alcoólicas por alguns líderes religiosos muçulmanos, na localidade de Pangane, distrito costeiro de Macomia, com o argumento de que “seria contra os princípios da religião muçulmana e que seriam a principal causa de desvio comportamental dos jovens nesta região”.

 

“Recolheram à força e destruíram todas as bebidas alcoólicas encontradas nos estabelecimentos comerciais locais, numa acção que teve apoio de uma parte da população local. (…) Como consequência, um líder religioso, acusado de ser o líder da ‘operação’, foi detido, o que provocou a fúria da população que reagiu à detenção, atacando elementos da Polícia. Destes confrontos, um agente da Polícia foi morto, dois civis contraíram ferimentos e uma parte considerável da população local refugiou-se nas matas e nas ilhas das cercanias”, descreve a fonte.

 

Recorrendo à reportagem do jornal Domingo, publicada em 2015, refere: “… Pangane era uma localidade fora do comum; que tudo o que por ali se faz obedece a regras emanadas pelos líderes religiosos que, pelo que pudemos testemunhar, não comungam os mesmos ideais das autoridades do Estado”.

 

“O mesmo jornal dizia também que os muçulmanos locais, por sinal o maior grupo populacional, rejeitavam e apupavam o Chefe da Localidade, por ser Makonde e cristão. Dizia ainda que outras religiões não conseguiam se implantar em Pangane, dando o exemplo da Igreja Assembleia de Deus, que acabou por abandonar esta região em razão da rejeição e hostilidade locais”, acrescenta.

 

Segundo o IESE, até então, nada sugeria que se tratava de actividades do “Al Shabaab” e que nenhuma das notícias publicadas na imprensa mencionava este nome, porém, “elementos da nossa pesquisa levam a concluir que se tratava da fase inicial do ‘Al Shabaab’”, pois, “actualmente, a localidade de Pangane é uma das zonas mais afectadas pelos ataques no distrito de Macomia”.

 

O IESE anota ainda que, em Agosto de 2016, as autoridades do Posto Administrativo de Quiterajo, também no distrito de Macomia, queixavam-se de que a Escola Primária Completa de Pequeué registava altas taxas de desistência de alunos a favor das madraças.

 

“A situação continuou tensa, em Macomia, de tal forma que, em Outubro de 2016, a população da aldeia Cogolo, no Posto Administrativo de Mucojo, destruiu uma mesquita do ‘Al Shabaab’, acusando os seus seguidores de serem jovens que não seguem raízes da religião islâmica antiga”, acrescenta.

 

“Em Dezembro do mesmo ano, as autoridades de Macomia afirmavam não ter mais dúvidas da existência de um grupo chamado ‘Al Shabaab’ naquele distrito, apelando à população a rejeitar suas ideias e a combatê-lo. As autoridades de Macomia tinham a convicção de que as ideologias do grupo al Shabab [Al Shabaab] visam, supostamente, usar a religião para incursões armadas, daí que o governo deve tomar medidas”, descreve, sublinhando que, em Junho de 2017, a Polícia deteve três elementos da seita “Al Shabaab”, em Macomia, acusando-os de desinformação, desrespeito ao Estado e pregação de um islão radical – um mês depois negou a existência da seita “Al Shabaab”, afirmando que havia perturbação da ordem pública.

 

Na sua análise, o IESE cita as reportagens de Amade Abubacar, que reiterava que desde 2016 que no distrito de Macomia se falava da suposta existência de jovens com ligações ao grupo islâmico “Al Shabaab”, cuja missão era instalar um Estado Islâmico na África Oriental.

 

Episódios de Ancuabe

 

Já em Julho de 2016, recorda o IESE, Saíde Bacar, líder religioso filiado ao Conselho Islâmico de Moçambique, emitiu uma circular alertando os muçulmanos de Cabo Delgado e as autoridades oficiais sobre uma situação que estava a ocorrer no distrito de Ancuabe, protagonizada por elementos que ele chamava de “Ali-Xababi”.

 

Segundo Saíde Bacar, citado pelo IESE, indivíduos vindos do distrito de Chiúre, na província de Cabo Delgado, tinham entrado numa mesquita do Conselho Islâmico de Moçambique, em Intutupué, entre os dias 04 e 05 de Junho de 2016, onde começaram a pregar um islão que ofendia os muçulmanos, pois, entrava em contradição com o que era praticado em Moçambique e que seus princípios não faziam parte desta religião.

 

De acordo com aquela organização, o “Al Shabaab” conseguiu atrair uma parte dos crentes da mesquita de Intutupué a seguir os seus preceitos, o que criou tumultos, levando à intervenção da Polícia, situação que terminou com a detenção e ferimento de alguns dos membros da seita.

 

“Contudo, apesar da intervenção da Polícia, a influência do “Al Shabaab” em Intutupué continuou, de tal maneira que, na única Escola Primária Completa local, as crianças estavam a desistir em massa, facto que deixou as autoridades escolares bastante alarmadas”, lembra a fonte.

 

“A situação era agravada pela ameaça do ‘Al Shabaab’ em encerrar a escola, em 2017. A direcção da Escola ainda tentou dialogar com os membros do ‘Al Shabaab’, mas foi em vão, pois, estes só aceitavam o diálogo se as autoridades escolares locais aderissem aos seus ideais e começassem a frequentar as suas mesquitas. Com vista a resolver a situação, a direcção da escola local pediu apoio aos líderes muçulmanos do Conselho Islâmico de Moçambique em Pemba”, acrescenta a fonte, revelando que o Conselho Islâmico de Moçambique enviou àquela aldeia uma equipa da União dos Jovens Muçulmanos de Cabo Delgado (UJOMU) para dialogar com a comunidade local e mostrar os “malefícios” das acções do “Al Shabaab”.

 

Segundo o IESE, estes dados ilustram que antes de se transformar em movimento militar, o “Al Shabaab” foi uma simples seita religiosa, que negava o Estado laico a favor de um Estado islâmico. “Igualmente, os exemplos ajudam a ver que o ‘Al Shabaab’ encontrou certa resistência no seio da comunidade muçulmana moçambicana, particularmente do Conselho Islâmico de Moçambique, que sempre denunciou as suas acções às autoridades competentes e realizou algumas campanhas de sensibilização contra a propaganda deste grupo”, defende o IESE.

 

No artigo, sublinha ainda alguns princípios defendidos pelo grupo, tais como: rezar calçado; rejeição do ensino laico a favor do ensino religioso islâmico; obrigatoriedade de porte de véu islâmico cobrindo o rosto, deixando apenas os olhos de fora; restringir o trabalho das mulheres ao cuidado da casa; proibição do uso e porte de documentos de identificação civil; não saudar os dirigentes do Estado; não participar em eventos nacionais; rejeitar a bandeira nacional; amputar adúlteros e ladrões; não colaborar com ou fazer parte do governo e das instituições do Estado; rejeição dos tribunais do Estado a favor dos tribunais Islâmicos. (O.O.)

Fonte: Carta de Moçambique