LER as edições desse período que antecedeu a assinatura dos Acordos de Lusaka, a 7 de Setembro de 1974, entre o Governo português e a Frelimo é deveras interessante e enriquecedor para se compreender muitos factos políticos que vieram a acontecer posteriormente a essa data.

O “Notícias” passou a ser uma tribuna livre onde se expressavam as mais diferentes e díspares ideias políticas sobre Moçambique, acolhendo na sua própria redacção pessoas com ideologias políticas antagónicas, como resultado do surgimento de uma série de novos colaboradores e jornalistas que iam preenchendo o seu quadro redactorial.

Nas suas páginas deu-se a conhecer a fundação de uma série de movimentos políticos moçambicanos, cujos programas preenchiam um leque de ideias que iam desde a defesa da continuidade de Moçambique como parte do Estado português, à necessidade de se formar um Governo provisório de naturais com poderes para negociar o futuro de Moçambique com a Frelimo e Portugal, à absoluta necessidade de se fazer um referendo sobre se “a população” queria somente a auto-determinação em vez de independência – até à hipótese de se criar uma confederação de Estados entre Moçambique e Rodésia, África do Sul foi aventada -, pintando-se com frequência a Frelimo como um movimento extremista, vingativo e pouco merecedor de credibilidade.

A posição oficial da Frelimo sobre Moçambique, em consequência do golpe de Estado, dada a conhecer pela Voz da Frelimo, a 20 de Maio desse ano, afirmando que a “independência era inegociável”, só dias depois é que foi reportada pelo “Notícias”.

Mas o fim da censura levou a que o “Notícias” e a “Tribuna” abrissem as suas colunas a uma série de vozes vindas dos meios estudantis e intelectuais de Lourenço Marques, que se juntaram a figuras experientes do jornalismo que eram defensores do fim do colonialismo, como Fernando Magalhães, Areosa Pena, Abel Faife, Migueis Lopes Júnior, Ferdinando Mendes ou Willie Wadington.

A eles juntou-se uma vaga de jovens como António Souto, Benjamim Faduco, Fernando e Mia Couto, Issufo Adam, Ricardo Santos ou José Capão, muitos dos quais recebiam assessoria política e informação credível de porta-vozes dos “Democratas de Moçambique”, em particular do seu director-adjunto, José Luís Cabaço.

Os prós e os contra independência

A LEITURA do “Notícias” e da “Tribuna” desse período que antecedeu os Acordos de Lusaka mostra um claro extremar de posições entre quem era a favor e contra a independência de Moçambique.

As páginas de ambos os jornais eram uma demonstração inequívoca de uma confrontação que, embora política e ideológica, poderia a qualquer momento degenerar em agressões.

Foi o que aconteceu a 4 de Agosto desse ano quando os já identificados “Dragões da Morte” fizeram um atentado bombista contra o edifício sede da Sociedade do Notícias e outros contra o centro social universitário e a colocação de armadilhas explosivas em carros de pessoas que consideravam ser agentes da Frelimo.

Escusado será lembrar o que aconteceu a 7 de Setembro, logo após a assinatura dos Acordos de Lusaka, quando os colonos, auto-intitulados Movimento Livre de Moçambique, ocuparam as instalações da Rádio Clube de Moçambique e fizeram operações de busca aos jornalistas que consideravam ser traidores da sua causa – as publicações da Sociedade do Notícias tiveram de encerrar até que a situação fosse controlada.

 

 

FACTOS OMISSOS

Na análise ao período que vai de Abril de 1926 a 20 de Setembro de 1974, quando toma posse o Governo de Transição que governou Moçambique até à proclamação da sua independência, mostra que, essencialmente, ele “falava” da história de Portugal porque aceitava e reconhecia Moçambique como se tratasse não propriamente de uma colónia, mas de uma província portuguesa com os seus respectivos distritos. Só a partir do derrube do regime colonial e fascista é que o “Notícias” começa a trazer a público as questões que dizem respeito a um Estado moçambicano.

O “Notícias” não nos oferece nada sobre o que, de facto, foi a luta política pela libertação e independência de Moçambique. Das suas edições nada ficamos a saber sobre, por exemplo, o massacre de Mueda, os levantamentos populares em Xinavane ou nos portos de Maputo e Beira, sobre as prisões de muitos nacionalistas em Lourenço Marques, quanto mais no resto do país, muito menos sobre o desencadeamento da luta armada e suas fases subsequentes.

No meio século que antecedeu à proclamação da independência de Moçambique, esta é a parte omissa no contributo do “Notícias” para a história de Moçambique.

Importante contributo

PORÉM, a partir da tomada de posse do Governo de Transição que geriu e administrou o país até esse momento mais importante da nossa história, que foi a declaração da nossa independência, quer o “Notícias”, como a “Tribuna”, deram um contributo muito importante pelo registo de factos que, certamente, servirão para se escrever a história do Moçambique independente e soberano.

Desde as reportagens sobre a assinatura dos Acordos de Lusaka, a 7 de Setembro de 1974, passando pela divulgação dos documentos do que foi ali acordado com o Governo português; à tentativa desesperada de um grupo de colonos, ao tomarem as instalações do Rádio Clube de Moçambique, para travar a tomada de poder pela Frelimo; à chegada dos guerrilheiros das FPLM a Lourenço Marques, seguida pela tomada de posse do Governo de Transição, chefiado por um primeiro-ministro da Frelimo; às acções de estabilização da sociedade moçambicana, após os traumas provocados pelos acontecimentos de 7 de Setembro e 21 de Outubro de 1974; à implantação de grupos dinamizadores da Frelimo por todo o país; à criação de organismos e instituições de Estado de conteúdo e cariz nacional, de que é exemplo a entrada em funcionamento do Banco de Moçambique, ainda em 1974; à partida da máquina estatal portuguesa; à ocupação de quartéis ou ao levantamento de problemas sociais e políticos a herdar do colonialismo, como eram os casos vergonhosos do analfabetismo e da ausência da rede de cuidados de saúde; à cobertura da histórica “viagem do Rovuma ao Maputo”, feita pelo Presidente Samora Machel, complementada pela publicação dos seus discursos; à divulgação das leis mestras para a sociedade moçambicana, como a Constituição e a Lei da Nacionalidade; à proclamação da independência da República Popular de Moçambique, a 25 de Junho de 1975, tudo podemos encontrar nas publicações do “Notícias”, com maior ou menor detalhe.

Do mesmo modo, nelas encontramos informação importante e objectiva sobre a tomada de posse do primeiro Governo do país soberano e independente; sobre a nacionalização da terra, saúde e ensino; sobre o arranque do movimento cooperativo e das machambas do povo por todo o país; sobre a realização do III Congresso da Frelimo, que criou o Partido Frelimo; sobre o arranque da construção das aldeias comunais; sobre o início da guerra de desestabilização contra a jovem república, executada pelo regime ilegal e racista da Rodésia, com o apoio do regime do “apartheid” da África do Sul, a partir de finais de 1975; sobre o papel de Moçambique no apoio às lutas de libertação na África Austral, de que é exemplo supremo a proclamação da República do Zimbabwe, em 1980; sobre a operação de lançamento da nossa moeda, o Metical, e mesmo sobre as iniciativas diplomáticas para se estabelecer a paz na nossa região, de que são exemplos a assinatura do Acordo de N’Komati ou a Declaração de Pretória, em 1984.

As publicações do “Notícias” também servem como fonte fiel sobre a tragédia de Mbuzini, que vitimou o nosso primeiro Presidente, Samora Moisés Machel, e importantes membros da governação do nosso país. Desde então o “Notícias” tem mantido viva a memória desta personagem incontornável da nossa história.

 

Incentivo à construção

de uma paz sustentável

SERIA fastidioso relembrar todos os acontecimentos cobertos, difundidos ou criticados pelas publicações do “Notícias”, mas devo ainda evocar o seu contributo no processo de negociações que conduziram à assinatura do Acordo de Roma, que restabeleceu a paz em Moçambique, em 1992, bem como ao subsequente empenho que teve na divulgação dos esforços realizados para a reconstrução do país e sua estabilização social, económica e política e a sua contribuição para que o nosso país seja hoje considerado como exemplo de desenvolvimento no Continente Africano.

Felicito, igualmente, à Sociedade do Notícias pela sua contínua política de apoio e incentivo à construção de uma paz sustentável e perene no nosso país, através do acompanhamento e divulgação do processo negocial decorrente.

As publicações do “Notícias” têm mantido como sua, uma política de chamada de atenção das autoridades sobre muitos aspectos negativos, não deixando, contudo, de enaltecer os grandes sucessos que os diferentes actores da nossa sociedade sejam eles camponeses, governantes, empresários ou desportistas, mantendo assim o compromisso editorial de contribuir para a educação patriótica dos nossos cidadãos e compatriotas.

Faço votos para que, de uma forma criativa, a Sociedade do Notícias continue a honrar a sua linha editorial.

Para terminar, gostaria de voltar às raízes deste matutino que se publica desde Abril de 1926, citando uma passagem do seu primeiro editorial que, me parece, para além de ser actual, uma mensagem real e verdadeira sobre o conteúdo e forma de uma “praga” de informação, com que nos deparamos no nosso dia-a-dia. E cito:

“Dirige-se ele(a) aos leitores que procuram num jornal a verrina forra (ou seja, a acusação violenta e pesada), o insulto vil, o escândalo verdadeiro ou inventado, a denúncia degradante, o ataque pessoal, a crítica violenta, a discussão irritante, a esgrima de palavras, a linguagem desbragada, a insinuação torpe, a acusação infame, a campanha de descrédito, a “chantagem”, a defesa dos interesses inconfessáveis, essas mil e uma coisas do mesmo género que, infelizmente, tanta gente aprecia e lê com entusiasmo e prazer”.

“Este aviso é simples e sincero”.

“Meus senhores, não leiam mais este jornal”!

Fonte:Jornal Notícias

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