O bairro da Mafalala, centro da periferia da antiga Lourenço Marques (hoje Maputo), foi um celeiro da consciencialização identitária da comunidade negra sobre a sua condição de explorados a que estavam submetidos pelo regime colonial.

De acordo com o historiador moçambicano Rui Laranjeira e o activista Aurélio Lebon, as artes desempenharam um papel incontornável nesse processo. Os dois intervenientes falavam durante uma oficina organizada pela plataforma Mbenga: Artes e Reflexões, que se realizou há dias no Centro Cultural Moçambicano-Alemão, em Maputo.

Referiram-se a algumas bandas, como o conjunto João Domingos, o músico Daico – muito aclamado na poesia de José Craveirinha – que começaram a investir na marrabenta porque conscientes de que era um ritmo que transportava a identidade dos negros que residiam na periferia.

Outrossim, o bairro da Mafalala e as cercanias contribuíram, nas artes, através da poesia, dos incontornáveis poetas José Craveirinha e Noémia de Sousa. Assim como do papel de jornalistas como o dos irmãos João e José Albazine, que lá residiram, fazendo artigos de fundo para os jornais “Africano” e “O Brado Africano”, de que foram proprietários.

Rui Laranjeira destaca que terá contribuído para a efervescência dessas forças a diversidade étnica dos residentes da Mafalala, oriundos de diferentes partes de Moçambique e de alguns países cuja luta pela independência já se tinha iniciado de forma sistematizada.

“O jornal O Brado Africano começa a incentivar os artistas a fazerem ritmos africanos já que, naquela altura, se escutava muito a música latina e já estava na altura de se deixar de acompanhar esse ritmo”, contou o historiador.

A responder de que forma se pode medir esse impacto, Laranjeira recorreu a exemplos de políticos, ex-residentes do bairro, que saíram de Moçambique para a Tanzânia a fim de se juntarem à Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e, através das armas, combater pela conquista da independência nacional.

O historiador destacou ainda que o jornal “O Brado Africano” desempenhou um papel importante na dinamização do movimento da consciência identitária dos negros residentes nos bairros de caniço e madeira e zinco.

O Bradocomeça a incentivar os artistas a fazerem ritmos africanos, já que naquela altura escutava-se muito a música latina e já estava na altura de se deixar de acompanhar esse ritmo”, contou Rui Laranjeira.

O jornal, prosseguiu, denunciava as injustiças sociais e fez com que a cultura fosse meio de reivindicar.

Com efeito, Rui Laranjeira defende a necessidade de historicização da Mafalala à categoria de património, de modo a valorizá-la, pois, anota, foi palco da construção da consciência de identidade dos moçambicanos.

Na sua intervenção, o activista cultural Aurélio Le Bon referiu-se ao surgimento de várias associações de activismo guiadas pelo mesmo espírito de busca de luz que representava a conquista da independência do país.

“Existia a unidade, as bandas eram sobre danças tradicionais e eram solidárias, porque davam-se espaço”, lembra.

Aos 68 anos, ainda tem memória de alguns marcos desse processo. Viajou no tempo para recordar que o bairro da Mafalala constituía o centro das periferias da então Lourenço Marques e por estar próximo de “Xilunguine” colocava-o numa situação privilegiada.

Le Bon não deixou de referir o papel de figuras como Samuel Dabula, José Craveirinha – este último, para além da poesia desenvolveu acções como artista – na valorização da cultura dos moçambicanos como caminho para a conquista da independência.

 Importa referir que esta é a segunda vez que a plataforma organiza um debate do género, tendo, da primeira vez, debatido sobre o Espólio de Malangatana e José Craveirinha. Estes debates são espaços que se pretendem informais, onde são partilhadas opiniões e diversos pontos de vista que poderão enriquecer a visão dos jornalistas em relação aos objectos artísticos.

O actor brasileiro Expedito Araújo e o músico moçambicano Texito Langa fizeram a parte artística, declamando poesia e tocando música.

    Fonte:Jornal Notícias

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