A bancada do Arena Portimão estava repleta de jovens treinadores. Alguns paravam para tirar fotos com os ídolos, que publicaram segundos depois nas redes sociais. Afinal estavam por ali, mesmo ao lado, José Mourinho, Jorge Jesus, Fernando Santos, disponíveis para as fotografias, mas também para partilhar ideias dos seus próprios blocos de apontamentos pessoais.

Todos queriam saber o que afinal pensam os homens do futebol de elite. Fernando Santos deu o mote no primeiro painel de discussão do Fórum do Treinador da Associação Nacional de Treinadores de Futebol. “Ouço cada vez mais falar em utopias. Dizem que jogo tem de ser positivo, proporcionar espetáculo, mas os treinadores sabem que estão dependentes do resultado, isso é que é a realidade”. E a realidade é, quase sempre, a necessidade de vencer, a obrigatoriedade imposta por quem lhes oferece emprego, explicou o selecionador mais adiante na conversa.

E na seleção portuguesa também é obrigatório vencer. “Na seleção, temos como base de trabalho, em termos de organização ofensiva, uma equipa de posse. Estamos 90% do tempo em posse, mas é também uma equipa que, em alguns momentos do jogo, tem de explorar o ataque rápido, porque isso é fundamental para desmanchar alguns adversários”, revela.

Fernando Santos diz que tem a necessidade recorrente de se lembrar dessa opção, do contra-ataque, porque também ele, como a maioria dos treinadores, vive obcecado com o domínio com bola. “Parece algo que caiu em desuso mas é uma arma mortífera. E não é só contra um adversário mais forte que tu (…). O que acontece é que mesmo contra equipas que são inferiores e que jogam muito fechadas, há alguns momentos do jogo em que estas equipas se libertam para atacar, e aí tu tens de ter várias formas de resolver o problema: e uma delas passa por aproveitar esse momento em que a equipa adversária não está tão compacta”, reforça o selecionador campeão da Europa.

Os pontapés de baliza que separam Mourinho e Jesus

José Mourinho diz estar preocupado com uma questão que, refere, não tem visto muito discutida publicamente. A partir da próxima temporada, nos pontapés de baliza a bola pode ser jogada dentro da área, ou seja, os defesas podem receber mais próximo da baliza, mas também os adversários podem entrar na área para pressionar.

“Isto vai ter consequências grandes ao nível daquilo que é o jogo. Se nos últimos 10 anos houve uma grande evolução na primeira fase de construção, agora, a grande questão passa por saber se isto vai ser uma segunda fase dessa evolução ou , pelo contrário, significa um retrocesso”, aponta o antigo técnico do Manchester United. Para Mourinho, esta questão vai exacerbar a tendência das equipas em escolher saída longa desde trás. “Muitas equipas vão abdicar da primeira fase de construção e jogar muito mais vezes direto”, sentencia.

Num outro painel Jorge Jesus responde. “A nova regra para mim tem importância zero, é tudo igual”. E nessa construção apoiada, a partir da defesa, e com recurso aos guarda-redes, Jorge Jesus garante que os guardiões vão ser cada vez mais valorizados pela capacidade para jogar com os pés. “Eu procuro criar superioridade na primeira fase de construção a três, isto tanto com um médio como com o guarda-redes”, sublinha o treinador ex- Al Hilal. E quem dera a Jesus ter hoje Vítor Damas. “Se aparecesse hoje seria o melhor guarda-redes do mundo. Jogava com os pés como um jogador de campo. E dentro da baliza era felino”, diz Jorge Jesus sobre o ex-companheiro no Sporting.

Uma unanimidade: Vários modelos no mesmo jogo como tendência

Quase todos os treinadores do fórum de Portimão concordaram com a afirmação de José Mourinho sobre o futuro do treino e da abordagem estratégica. “Os modelos de jogo estão a ir numa direção onde, um modelo de jogo tem diferentes sistemas táticos e, no mesmo jogo, diferentes sistemas táticos, principalmente nas fases de construção”. Uma ideia que diz,, vai de encontro a uma outra tendência. “As pessoas querem ver cada vez mais, para além de ver sua equipa a ganhar, ver a equipa que apoiam ser dominadora”. E por isso é necessários encontrar novas formas para desmontar equipas bem organizadas, vaticina José Mourinho.

Num outro painel, o antigo treinador do FC Porto e atual técnico campeão da liga chinesa Vítor Pereira dá um exemplo prático. Lançou no início da temporada um desafio à sua equipa técnica, que passava por capacitar a equipa – e por isso treinar nesse sentido -, da possibilidade de jogar em três sistemas diferentes, do 3x4x3 ao 4x4x2, passando pelo 4x3x3, a organização mais recorrente do Shanghai SIPG na última temporada. Para isso, explica o técnico, é necessário trabalhar não só as referências necessárias a dar aos jogadores, mas, e sobretudo, “fazer os jogadores entender o jogo”.

Uma preocupação excessiva com organização e articulação

Domingos Paciência diz que é necessário pensar qual o tempo para libertar os jogadores, para trabalhar a sua criatividade, a inspiração e os desequilíbrios. “Não podemos deixar de trabalhar aquilo que faz a diferença nos nossos estádios de futebol, os nossos jogadores tecnicamente evoluídos, fortes no um para um. É esse o jogador português”, sugere.

“O Artur Jorge dizia-me: pega na bola, vai para cima deles, vai para a área, tens liberdade total com a bola. Ganhámos o campeonato com 10 grandes penalidades, 12 livres, uns mais longe, outros mais perto”. Explica Domingos que isso aconteceu porque a liberdade dos jogadores era trabalhada durante a semana com insistência. Mas anos depois o treino mudou, explica Domingos Paciência, “no treino a um ou dois toques eu ficava triste”. Um jogador triste no treino, e sem capacidade para se expressar ao domingo, no dia de jogo.

Vítor Pereira, técnico campeão na China, usa o exemplo de Hulk para ilustrar a medida entre a necessidade de passar ideias sobre organização e a liberdade aos jogadores. “Eu organizo a equipa segundo aquilo que gosto de ver as minhas equipas jogar, mas também vou organizar o jogo conforme as capacidades deles, caso contrário não vou conseguir organizar esse meu jogo”. E quem diz jogo, diz, sempre o treino, refere Vítor Pereira,

“Não posso treinar um jogador como o Hulk a um, dois toques. Às vezes tenho de lhe dar essa oportunidade de jogar de outra forma, mas não posso impedi-lo de pegar na bola e ir pelo relvado fora, em explosão, a cortar para dentro. Não lhe posso tirar isso, senão deixa de se conseguir expressar”. Por isso refere o técnico, é necessário criar no treino um modelo que permita aos jogadores sentir-se confortáveis, fazer mais vezes aquilo que eles fazem melhor”.

Os melhores do mundo

Jorge Jesus não tem dúvida que os treinadores portugueses são os melhores do mundo. Porque fazem coisas incríveis com recursos que não estão ao nível de outros países, e conseguem inovar mesmo assim. Já Fernando Santos diz que a capacidade de adaptação é inata aos portugueses. No balneário poder-se-ia chamar a esta característica “desenrascar”. Mas também isso dá muito trabalho, nota o selecionador campeão da Europa. Porque exercícios para os treinos existem aos milhares na Internet ou nos livros, mas a aptidão para fazer as escolhas certas em contextos incertos depende do conhecimento (diria José Mourinho), criatividade (diria Jesus ou Vítor Pereira), e do jogo de cintura.

Fonte:TSF Desporto

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