O dia em que vi lágrimas no Presidente Samora

Do Fundo do Meu Baú…

Após o IV Congresso do Partido Frelimo, em 1983, a Sociedade do Notícias
recebeu uma comunicação para formar uma comissão – da qual eu fiz parte – que iria ouvir do antigo Chefe de Estado o sentir, relativamente ao jornal. Decidimos então levar uma prenda para oferecer a Samora Machel.

Os tempos eram outros. As emoções também. Para mim, seria a primeira oportunidade para estar, cara-a-cara com o grande líder, cuja figura só tinha oportunidade de ver nos Órgãos de Comunicação Social ou nos comícios.

O encontro permanecerá gravado na minha mente, enquanto viver. Isto porque, o privilégio maior foi ver o estadista, para muitos catalogado como um homem duro, de temperamento difícil, a não conseguir conter lágrimas rebeldes e de emoção que o invadiram. E nós também partilhamos e o acompanhamos, cada um à sua maneira!
O que aconteceu afinal?

Quando lhe foram entregues duas lindíssimas fotografias do final do IV Congresso da Frelimo, em que o Presidente se fazia rodear de muitas crianças – as flores que nunca murcham – ele, que tanto as adorava, teve dificuldade em se conter. Tratava-se de fotos em formato gigante, emolduradas, da autoria do grande e saudoso repórter fotográfico, Carlos Alberto Vieira.

 

EMOÇÃO E SUSPENSE

O Presidente retirou o papel de prenda que rodeava o presente e ficou a contemplar. Em minutos que, para nós, pareciam horas, num silêncio que valia mais do que mil palavras… Foi então que umas lágrimas rebeldes invadiram os seus olhos. A voz sonante, directa e por vezes dura das reuniões, deu lugar a uma reacção carinhosa.
Quando começou a dirigir-nos o seu agradecimento, já não era o Chefe de Estado, mas o pai extremoso:

– Sabem, ao longo da minha vida, tenho recebido muitas prendas bonitas. Umas de carácter pessoal e outras de Estado. Porém, estas fotografias, após um Congresso que marcará a vida do nosso povo, são a mais bonita e simbólica recordação que até hoje recebi. Muito obrigado ao autor – o meu amigo Carlos Alberto – e aos trabalhadores do Notícias, que todos os dias levam o pulsar da Nação ao país!

O que se seguiu, foram momentos de uma conversa, já não com o Presidente, mas com o extremoso pai. Ele falava dos projectos da Nação, apontados para um futuro risonho, como o avanço da educação, dando oportunidade às flores que nunca murcham. Lindo, lindo, lindo…
O que veio a seguir?

O pai sentimentalista, deu lugar ao Presidente. Apesar de carinhoso, não perdeu a oportunidade para fazer um reparo ao trabalho da SN, surpreendendo-nos com uma questão:
– Vejam lá: o Notícias sai à rua todos os dias, menos ao domingo. Mas ao sábado, há acontecimentos bonitos e importantes. Quando procuro o jornal no domingo, dizem-me que não saíu à rua porque sábado é  dia de descanso dos seus fazedores. Quero-vos perguntar: é justo vocês deixarem o país sem informação, por causa do vosso descanso? Quem deve ser, neste caso, o sacrificado? Porque não, criarem um jornal, com a designação Domingo? Pensem nisso!

A brilhante ideia, não soou como uma ordem, pela sua justeza. Saímos dali, não com o sentimento de termos que cumprir uma ordem, mas de resgatarmos um dever para com os leitores.

O que se seguiu? Mobilização e organização dos meios, que originaram o “parto” de sucesso de um jornal que passou a ser de referência, cuja designação e baptismo foram “sugeridos” pelo saudoso Presidente Samora Machel.

O leitor, por acaso, sabia de onde surgiu o nome do semanário domingo? Pois então ficou a saber. Acredito até que muitos dos jornalistas e trabalhadores daquele prestigiado semanário, também desconheciam este capítulo da história do órgão em que estão inseridos.

 

Fonte:O País

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