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PGR pede ao Conselho de Estado para ouvir Armando Guebuza

PGR pede ao Conselho de Estado para ouvir Armando Guebuza

No culminar de quase dois anos de debate jurídico com os advogados do antigo estadista moçambicano, a Procuradoria-Geral da República solicitou ao Conselho de Estado para que este autorize que Armando Guebuza, membro do mesmo órgão, seja ouvido sobre o processo das dívidas ocultas. Uma convocatória do Presidente da República, Filipe Nyusi, a que “O País” teve acesso, diz que o Chefe de Estado chamou todos os membros do Conselho de Estado para uma reunião que teve lugar no dia 15 de Setembro (quarta-feira), por volta das 16h00, em formato digital, com um e único ponto de agenda: apreciação do pedido da PGR.

GUEBUZA DIZ QUE NÃO CONFIA NA PGR
Conforme agendado, a reunião do Conselho de Estado foi realizada quarta-feira. Armando Guebuza preparou um discurso e perante os membros do órgão, com destaque o próprio Presidente da República, Filipe Nyusi, quem convocou o encontro, Alberto Chipande, Graça Machel, Alberto Vaquina, Daviz Simango e titulares de órgãos de soberania, Armando Guebuza começou por esclarecer que continua com a aspiração com a qual há mais de 50 anos se juntou à luta armada. “Ao nos juntarmos à Frente de Libertação de Moçambique, ainda na clandestinidade, tínhamos a mais nobre aspiração de ver a nossa pátria, a pátria dos heróis, liberta do jugo colonial, garantindo a reafirmação da nossa moçambicanidade, o respeito dos direitos e liberdades e o bem-estar de todos os moçambicanos. E esta aspiração mantém-se intacta”, introduziu.

Quanto ao assunto fundo da reunião, as dívidas ocultas, sobre as quais o Ministério Público pretende saber, o antigo Presidente da República garantiu que irá “prestar os esclarecimentos solicitados, sem no entanto, deixar de deixar ficar a nossa desconfiança em relação a constante e desconforme actuação da Procuradoria-Geral da República. E temos razões de sobra para a falta de confiança no nosso Ministério Público.”

E essa falta de confiança, segundo Guebuza, decorre da forma como a PGR dirigiu desde 2015 até esta parte as investigações e detenções sobre o processo 1/PGR/2015. “No ano de 2020, tomamos conhecimentos – pela imprensa, mais uma vez – de que a Procuradoria-Geral da República cita-nos num Tribunal Comercial de Londres, num processo relacionado às “dívidas ocultas”, estando nós no mesmo país e cidade da digníssima Procuradora-Geral da República.

A terminar, Guebuza queixa-se de tentativa de assassinato político, que agravou-se depois da palestra que proferiu na Universidade Eduardo Mondlane, e atira que não confia na Procuradoria-Geral da República.

O QUE A PGR QUER SABER?  
Esta questão é respondida por um dos primeiros documentos desta, diga-se, “novela”. Datada de Outubro de 2018, a missiva dirigida a Armando Guebuza, começa por solicitar que ele explique como é que o empréstimo de 622 milhões de dólares norte-americanos da ProÍndicus foi contraído em 2012, quando o projecto do Sistema Integrado de Monitoria e Protecção foi aprovado um ano depois pelo Conselho de Ministros. “Como compreender e sustentar, em particular, o entendimento de que a empresa ProÍndicus, SA foi constituída no âmbito da implementação do SIMP, tomando em consideração que a mesma foi constituída em 12 de Dezembro de 2012, portanto, um ano antes da criação do sistema que ela visava implementar, versus a ideia que se pode alimentar no sentido de que o SIMP pode ter sido criado para confortar o que já tinha sido feito”. E a instituição pergunta mais: como compreender e sustentar o entendimento de que as empresas EMATUM – Empresa Moçambicana de Atum, SA e a MAM – Mozambique Assent Manangment, SA – também tinham em vista a defesa e a segurança se, por um lado, os seus objectos sociais não se relacionam a esta matéria e, por outro lado, não celebraram com o Estado nenhum contrato de concessão que as ligue ao interesse público, mormente, o de defesa e segurança, como aconteceu com a ProÍndicus, SA.

Além de outros aspectos há a destacar a exigência do Ministério Público de esclarecimentos sobre os 500 milhões de dólares que a auditoria independente da Kroll concluiu que desapareceram, sem explicação, na aplicação do dinheiro contrato no âmbito dos empréstimos. “Havendo indicação, por parte do representante das três empresas moçambicanas (António Carlos do Rosário), deste montante ter sido utilizado para adquirir equipamento de defesa, com vista ao reforço da capacidade de protecção da soberania, integridade territorial e inviolabilidade das fronteiras nacionais, fundamento que foi, igualmente, usado para a incorporação deste montante no orçamento do Estado”, lê-se do documento da Procuradoria-Geral da República.

O mesmo documento determina: “solicita-se esclarecimentos, com a indicação dos detalhes disponíveis, sobre a aplicação do montante, tendo em atenção o facto de tudo indicar que a posição do PCA das empresas foi sufragada pela posição da Assembleia da República na aprovação do orçamento”.

 

DISCUSSÃO JURÍDICA SOBRE AUDIÇÃO DE GUEBUZA DURA QUASE DOIS ANOS

Procuradoria-Geral da República pediu há quase dois anos que Guebuza prestasse os esclarecimentos solicitados, entretanto uma discussão jurídica sobre a qualidade na qual o antigo Presidente iria prestar declarações empurrou o assunto até agora.

Tudo começou no dia 19 de Outubro de 2018. Só para ter ideia, dois meses antes da detenção do antigo ministro das Finanças, Manuel Chang, na África do Sul, pelo mesmo processo das dívidas ocultas. Nessa data, a Procuradoria-Geral da República envia um documento ao antigo Presidente da República, Armando Guebuza (conteúdo do documento detalhado na página 2), solicitando esclarecimentos sobre os empréstimos de 2.2 milhões de dólares. Vinte dias depois, a 09 de Novembro, Armando Guebuza envia uma carta ao Presidente da República, Filipe Nyusi, na qual pede que verifique a legalidade do pedido de esclarecimentos da PGR, atendendo a facto de ser membro do Conselho de Estado, dirigido por Filipe Nyusi. O Presidente da República responde a carta de Armando Guebuza, três dias depois, a 12 de Novembro afirmando que não vê ilegalidades e que o antigo estadista pode prestar os esclarecimentos solicitados.  A 16 de Novembro, Guebuza responde ao Filipe Nyusi insistindo que o pedido na PGR não cumpre os requisitos estabelecidos pelo artigo 16 da Lei 5/2002, de 1 de Dezembro, sobre o Estatuto dos Membros do Conselho de Estado (CE), que determina que os membros do CE só podem ser ouvidos mediante autorização deste órgão. A 20 de Novembro, o Presidente da República volta a responder, reiterando que o artigo supracitado não impede Armando Guebuza de prestar os esclarecimentos pedidos e que em caso de dúvida devia contactar a sua Conselheira para Assuntos Jurídicos, Benvida Leví.

A partir dai a discussão passa a conter entre o antigo Presidente e a Conselheira Jurídica de Filipe Nyusi. No dia 23 de Novembro, Guebuza escreve para Benvida Leví, insistindo que não é possível que seja ouvido com a base legal citada pela PGR. Benvida Leví responde a 28 de Novembro dizendo que não está claro nos documentos remetidos pela Procuradoria em que condição Armando Guebuza pretende ser ouvido e recomendando ao antigo PGR que peça esclarecimentos ao Ministério Público. Cumprindo o recomenda, Guebuza escreve a PGR pedindo esclarecimentos, ao que a procuradoria respondeu no dia 07 de Dezembro que o antigo estadista é uma entidade pública e que nesta condição pode ser ouvido. A instituição dirigida por Beatriz Buchili pede que Armando Guebuza esclareça se vai prestar esclarecimentos ou não. Em resposta datada de 13 de Dezembro Guebuza aceita pronunciar-se, embora clarifique que não concorda com a forma como o processo foi conduzido.

“O País” não teve acesso aos documentos sobre o que terá acontecido durante o ano de 2019. O certo é que o assunto ressurge este mês de Setembro com a convocatória do Presidente da República para a sessão do Conselho de Estado, seguido o requisito que era desde os primeiros momentos defendido pelo antigo Presidente de Moçambique independente. Ainda não é pública a decisão que o Conselho de Estado terá tomado sobre o pedido de Armando Guebuza.

 

Fonte:O País