Recordando a campeã do querer!

O ano de 2000, em Sidney, foi o da consagração e glória para Moçambique. Pelas vigorosas pernas de Lurdes Mutola, pela primeira vez, a bandeira da “Pérola do Índico” foi hasteada na maior competição planetária, os Jogos Olímpicos, e o hino nacional tocado, provocando lágrimas em toda a Nação, culminando uma profusão de títulos e medalhas.
 
Lurdes já tinha um vício ganhador de tal ordem que o país ficava  em estado de choque mesmo quando a “Menina de Ouro” subisse ao pódio, sem que isso desse acesso ao metal precioso.

Tudo aconteceu de forma  rápida na vida de Mutola. Após a proibição, aos 15 anos, de jogar futebol masculino, pois “desgraçava os rapazes”, foi lançada pela mão do poeta-mor José Craveirinha no atletismo local.
Em 20 anos de carreira, Lurdes ganhou tudo o que havia para vencer. No meio de um grande querer, venceu a descrença, o miserabilismo, o coitadismo.

No continente, venceu os Jogos Africanos no Egipto (91) e Harare (95). Bateu também o recorde mundial de juniores e conquistou os títulos mundiais em Estugarda, Alemanha, e Edmonton, Canadá.
 
A BOLSA QUE MUDOU TUDO
A 12 de Março de 1991, partiu para Eugéne, Estados Unidos da América, iniciando assim uma das mais espantosas carreiras desportivas que o continente africano e o Mundo já presenciaram.  Na escola e no Estado de Oregan, treinava que se fartava e  não se fartava de treinar. Rapidamente, qual estudante que passou da instrução primária para os mais altos graus universitários, Lurdes ganhou tudo o que havia para vencer.

Em poucos anos, deixou de ser a “menina do Chamanculo” para se transformar na “Dama de Ouro”. Ou do “turbo”, se preferirmos.

A atleta não descurava os estudos, tendo começado pelo inglês, que passou a dominar em pouco tempo, devido à sua forte determinação.
Quatro anos depois de Seul, em Barcelona, nos seus segundos Jogos Olímpicos, era já uma séria candidata à medalha de ouro.

Facilmente chegou à final, onde se perfilavam veteranos, com nome firmado na especialidade. Pagou cara, porém, a ousadia de tentar comandar a final, contrariando o seu estilo habitual de “ir na boleia” para depois desferir o golpe fatal. Foi uma das mais dramáticas lições da sua vida. Dessa vez, Lurdes deslumbrou-se e tentou correr num ritmo forte, do princípio ao fim. E foi precisamente na “curva da morte”, onde costumava ultrapassar as adversárias,  que viu fugir-lhe o ouro, a prata, o bronze e até o quarto lugar. Cortou a meta, desolada, na quinta posição.

Uma lição que lhe valeu para o resto da carreira
À noite, ao jantar, José Craveirinha fez uma surpreendente declaração: “Ainda bem que perdeste agora. És jovem, tens muitas medalhas para ganhar”. Foi como uma profecia. A partir daí, o anormal passou a ser não ganhar, tendo entrado para a galeria dos atletas mais bem-sucedidos, na sua difícil especialidade.

Como tudo começou
Até aos 14 anos, era humilde, vivendo nos subúrbios da capital do país, outras meninas da sua idade. Usava trancinhas, fazia as lides da casa e frequentava a escola do bairro do Chamanculo, onde residia.

Mas desde cedo começou a manifestar uma tendência que não era comum às raparigas da sua idade: o gosto pelo futebol. Em casa, brincava com o seu irmão, no quintal. Davam toques, chutavam à baliza e ensaiavam fintas com uma bolinha de borracha. Aos fins-de-semana integrava-se em equipas que jogavam nos terrenos baldios, em prolongados jogos de “muda aos cinco e acaba aos dez”. Desde cedo os seus pais achavam estranho o facto de uma menina gostar mais de bolas do que de bonecas.

Foi encorajada a integrar uma equipa federada de futebol juvenil: o Águia D’Ouro. A potência do seu pé esquerdo e a forma como fintava e evoluía no terreno permitiram que passasse despercebido o facto de ser menina disputando um campeonato masculino.

 

Fonte:O País

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