Iniciou, segunda-feira (18), sob um forte aparato policial, a produção da prova, no âmbito do processo-crime número 01/2017, 10ª Secção do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo (TJCM), no qual é julgado o cidadão Zófimo Armando Muiuane, acusado de assassinar a tiros a sua esposa Valentina da Luz Guebuza, filha do ex-Presidente da República, Armando Guebuza, na noite de 14 de Dezembro de 2016, na residência da vítima, onde o casal vivia. Em suma, o acusado declarou-se inocente, injustiçado e defendeu, de pés juntos, que não matou a esposa.

O pai da vítima, Armando Guebuza, chegou ao tribunal por volta das 08h45 minutos, para uma sessão de julgamento cujo começo estava previsto para as 09h00, mas só iniciou por volta das 10h00, logo após a chegada tardia do réu. Já são uma prática comum e recorrente os atrasos nos julgamentos.

Zófimo Muiuane, de 44 anos de idade, mestrado em administração de empresas, segundo as suas declarações, chegou ao tribunal “engaiolado” na viatura que habitualmente transporta prisioneiros, com a matrícula AEL 645 MC, e escoltada por uma outra com a chapa de inscrição AEL 460 MC.

Vestido de uniforme alaranjado de reclusão, o arguido foi conduzido para a sala de audiências enquanto encobria a face com um lenço de rosto de cor azul claro, numa clara tentativa de evitar se deixar fotografar e filmar. Ele estava com os olhos avermelhados, como se tivesse passado noites sem dormir.

Não se sabe se são lágrimas de verdade ou de crocodilo, mas o certo é que Zófimo Muiuane emocionou-se em sede do tribunal ao lembrar de alguns momentos que passou com a sua família. Chorou, por exemplo, ao recordar-se do abraço da sua filha quando foi vê-la no seu quarto no dia que a alegadamente assassinou a mãe, bem como quando trouxe à memória o momento em que a esposa agonizava no quarto, ao ser atingida por projécteis de uma pistola.

“Estou a ser acusado injustamente (…). Eu sou inocente, nunca houve essa intenção de matar a minha esposa. Estou constrangido com o que aconteceu (…)”, disse o réu, que repetidas vezes tentou impressionar o tribunal com o aparente amor incondicional e carinho que tinha pela esposa. Chamava-a de amorzão…

Pese embora o processo número 01/2017 pertença à 10a Secção, a primeira sessão de audiência decorreu na sala da 8a secção, onde foi realizado o julgamento do “Caso FDA”, cuja sentença será, de acordo com o previsto, conhecida nesta quarta-feira (20).

O MP acusa Zófimo Muiuane de homicídio qualificado, posse ilegal de armas de fogo, falsificação de documentos [em sua posse foi achado um bilhete de identidade sul-africano com o nome de Washington Dube e que assumiu ser seu] e prática de violência doméstica.

Importa salientar que este caso, cuja acusação foi produzida num espaço de um ano, contando a partir da data dos factos [14/Dezembro/2016], traz à reflexão uma questão séria relacionada com a celeridade processual no sector judiciário moçambicano: será que a rapidez com que a investigação aconteceu e produziu resultado tem a ver com o facto de a vítima ser filha de um antigo Presidente da República ou simplesmente tudo não passou de uma coincidência? E o que dizer de alguns compatriotas que em diferentes cadeias do vasto Moçambique já cumprem anos de cadeia sem acusação formulada?

Aliás, apesar de outros crimes que pesam sobre Zófimo Muiuane, o caso em julgamento tem requintes e preenche todos os requisitos de uma violência doméstica grave que era encoberta pelos palacetes ou arranha-céus do bairro Polana Cimento.

Após a juíza do caso, Flávia Vasco Mondlane, ter declarado aberta a sessão, o Ministério Público (MP) entrou em cena, descrevendo o que se passava entre o casal e que, no seu entender, levou à morte de Valentina Guebuza. Esta deixou uma filha que à data dos factos tinha apenas um ano e sete meses de idade.

A acusação e o rebatimento do réu

“No dia 17 de Novembro de 2016, a vítima contactou os seus padrinhos Amosse Baltazar Zita e Feleciano Gundana pedindo um encontro para abordar um assunto social”.

Na presença dos padrinhos, que atenderam ao chamamento no dia seguinte, na companhia das respectivas esposas Eulália Gundana e Rosa Chongo, Valentina Guebuza queixou-se, acusando saturação porque “estava a ser sujeita à violência doméstica pelo esposo”.

Ela contou que o marido lhe chamava nomes depreciativos e ofensivos tais como “maluca, estúpida e burra (…)”. Algumas vezes deferiu-lhe golpes duros na cabeça com recurso a socos, causando-lhe hematomas.

Zófimo desmentiu estas declarações, constantes do processo de acusação, e alegou que o oficial do Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) o obrigou a assinar (…), com a anuência do seu advogado.

De forma irónica e aparentemente acreditando que tudo não passava de uma mentira de arguido, a juíza Flávia Mondlane achou no mínimo estranha que um defensor tenha consentido tal situação, pois o que Zófimo alega não aconteceu só nessa questão, mas em outras várias.

O acusado ainda tentou esconder dos padrinhos o mal-estar a que estava envolto com a sua consorte. Todavia, a cônjuge abriu o jogo e começou a narrar parte do que se passava no seu lar. O marido tentou desmenti-la, o que levantou uma discussão entre o casal em frente dos padrinhos, segundo narrou o próprio Zófimo ao tribunal.

Diz também a acusação que, numa data não especificada (…), sabendo-se, Zófimo Muiuane arrancou e escondeu o passaporte, os telemóveis e o bilhete de viagem de vítima como forma de inviabilizar a sua viagem para a República da África do Sul, onde já tinha consulta médica marcada.

Sobre este ponto, Zófimo admitiu que realmente impediu a mulher de viajar, como forma de conter os gastos da renda familiar porque dentro de três dias eles pretendiam levar a filha a uma consulta médica naquele país vizinho.

A malograda insistiu em prosseguir viagem supostamente mesmo sabendo que só ia buscar um menu das suas receitas de dieta alimentar, o que a nutricionista podia enviar por e-mail, disse Zófimo. “Mas depois devolvi os documentos” e outros pertences da vítima, pois “eu tinha escondido na segunda gaveta da cabeceira (…)”.

Conta da acusação que as brigas entre a malograda e o seu esposo assumiram contornos de arrepiar os cabelos a partir da altura em que circulou, nas redes sociais, uma mensagem cujo teor destapava a podridão em que já se tinha transformado o casamento deles, contraído a 26 de Julho de 2014. Houve intermediação dos padrinhos no sentido de sensibilizar o casal a viver em harmonia, mas nada mudou.

Valentina Guebuza foi baleada mortalmente pelo próprio marido num dia em que os seus padrinhos de casamento e de baptismo [estes são Rosa Chongo e Amosse Zita] foram à residência do casal, pelas primeira vez volvidos poucos mais de dois anos de casamento.

A pistola com que Zófimo Muiuane baleou mortalmente a sua esposa era 7.65 milímetros, cujos tiros acertaram o tórax e o abdómen, disse o MP, acrescentando que dado o agravamento da violência que sofria nas mãos do marido, Valentina manifestou o desejo de separação até que a situação fosse resolvida, mas o marido disse “nem pensar (…)”.

A vítima e o arguido mantinham pistolas em casa e o MP disse que durante a investigação foram achadas no total quatro armas de fogo.

Em sua defesa, o réu contou as peripécias que sugerem que o porte de armas de fogo na sua casa era uma prática normal e lidavam com as mesma como se fossem brinquedos. Do pequeno almoço ao jantar pelo menos ele andava armado, segundo deu a entender.

Mas o que aconteceu na noite do crime?

Zófimo Muiuane permaneceu quase cinco horas em pé. Deu a sua versão dos factos, pausadamente, conforme a abertura concedida pelo tribunal.

Segundo ele, no fatídico dia em que os padrinhos estiveram em sua casa, não houve consenso. Ou seja, o encontro não serviu para nada. O conselho foi de que o casal devia pautar pelo diálogo, tolerância e ponderação e despediram-se, por volta das 19h00, sem tomar o lanche que lhes tinha sido preparado. Eles rejeitaram “em coro”.

“De seguida eu disse amorzão, podemos conversar”, porque ela estava pretensamente aborrecida “com a abordagem da madrinha [Rosa Chongo]”, segundo a qual os pais dela, Maria da Luz e Armando Guebuza não a educaram por falta de tempo devido a ocupações de trabalho e que ela, na qualidade de madrinha, iria educá-la no sentido de saber tratar o seu marido.

“Fomos ao quarto (…), logo depois de deixar o casaco, senti algo estranho na minha cintura. Ela tinha arrancado a minha pistola que estava” no coldre e do “lado esquerdo. Quando virei, olhei para ela e tinta a pistola apontada para mim. Naquele mesmo instante ela gritou: “sai da minha casa ou eu mato-te”. Eu não estava a acreditar no que estava a acontecer e achei que fosse uma brincadeira.

No mesmo instante, um instinto levou-me a pegar nas mãos dela e comecei a gritar amorzão… amorzão… O que se passa. Ela continuou a gritar: “sai da minha casa ou eu mato-te”. Senti uma força anormal nela quando segurei os braços e foi quando percebi que não estava a brincar”. Aí começou a disputa pela armas de fogo, e Zófimo alegou que tentou imobilizar Valentina e sustê-la para que o pior não acontecesse. No momento do interrogatório, a juíza Flávia Mondlane, os advogados e os juízes eleitos perguntaram a Zófimo por que motivo ele não abandonou a casa quando a sua mulher alegadamente disse “sai da minha casa ou eu mato-te”. A resposta do arguido foi: “não pensei nisso (…)”.

Zófimo, que não soube estimar quanto tempo passou aos empurrões com a esposa, disse que da arma em disputa foram disparados quatro tiros, dos quais o primeiro atingiu o espelho, o segundo foi contra um outro móvel do quarto e dois acertaram o tórax e o abdómen da vítima.

Valentina caiu e “ainda tentou articular algumas palavras, porém, não conseguia, uma vez que estava em agonia”. A ajudante de campo de nome Raquel subiu ao quarto onde a vítima encontrava e notou que ela “perdia sangue do tórax” e marido “estava ao pé dela e a arma também ao lado da mesma.

Quando a ajudante do campo procurou saber por que razão Zófimo atirou contra a esposa, respondeu: “já fiz, ela ofendeu-me muito em frente dos padrinhos. Ela humilhou-me”.

De acordo com a acusação, o réu matinha a sua arma de fogo carregada e sempre consigo. Manteve o encontro com os padrinhos armado. Sobre esta conduta, ele argumentou que naquele momento não lhe ocorria que estava armado.

Baseando-se no laudo do exame tanatológico [tratado sobre a morte] e o relatório do exame balístico, o MP imediatamente à saída dos padrinhos Zófimo não mediu esforços e “desferiu um golpe com recurso às suas mãos, atingindo a vítima com um soco na zona corpórea da cabeça (…) acto contínuo, desferiu outro golpe com recurso à coronha da pistola que detinha produzindo uma escoriação linear de 1,5 centímetro”.

A agressão não cessou aí, o acusado desferiu outros tantos golpes contra Valentina e, achando que isso ainda pouco fez vários disparos contra Valentina.

Zófimo é também acusado de ter recolhido os invólucros das balas e tirado pela janela como tentativa de apagar as provas do crime. E mesmo tendo se apercebido de que a sua mulher estava estatelada no chão e em agonia, o arguido perdeu bastante tempo efectuado chamadas telefónicas para pessoas não atendiam aos telefonemas.

Ele disse que até telefonou para algumas clínicas privadas com o intuito de pedir mas ninguém o atendia. Só pouco tempo depois conseguiu falara com o seu padrinho e por sinal irmão, a quem pediu auxilio.

A juíza confrontou Zófimo com o facto de ele ter perdido bastante tempo a contactar os sogros e outras pessoas, em vez de ter transportado a vítima na sua própria viatura para uma unidade sanitária. É que na altura em que o seu irmão recebeu o seu telefonema, acabava de sair do bairro do Aeroporto e dirigia-se à casa, na zona da Coop, para deixar uma encomenda e só depois iria atender ao chamamento do irmão.

O julgamento prossegue esta terça-feira (19) e serão ouvidos os declarantes.

@Verdade – Democracia

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